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sábado, 10 de julho de 2010

artificial




















já não suporto essa natureza frágil
que me inspira amores eunucos
e perfumes presos a lendas

tentei por anos retirar a bonequinha
loura e perfeita que me impuseram
velei e enterrei todas em meu quintal

e de certa forma elas voltam mortas
para atacar essas pequenas verdades
quem dera a beleza não valesse nada

tentei ser Monalisa de sorriso mestiço
sem adornos nos olhos, sem vaidades
seguem-me peitos sal e risos postiços.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

monte megido




















no vale da decisão
tombo de assalto
meu olho esquerdo
que ignora todos
os filhos do sol

o direito julgo
o grande vencedor
que trará redenção
mas a água não benze
pobre insolente sou

tudo que me é grato
salta do lado errado
e alimenta meu ego
essa satisfação é
sinônimo de felicidade

não sendo isso o Éden
hei de desejar o inferno
e lutar nas linhas
contrárias pelo mal
no monte megido.

morri duas vezes


























ceguei-me do olho esquerdo
de tão desgastada
não quis ver as chagas
que eu mesma abri

antes de ferir-me
mais algumas vezes
calei a aflição
na tentativa da conversão

desferi golpes certeiros
contra carnes moles
e pensamentos impuros
até não conseguir respirar

aprendi a viver assim
consumindo-me em perdas
queda a queda
gota a gota
clamando pelo novo

mãos estrangeiras
buscaram a re-vida
em vão
morri duas vezes.

minha nossa senhora das amarrações


























Eis a Dama impressionista
Senhora do não saber querer
também tem suas pistas
e seus efeitos colaterais

Por ausências carrega seus nós
suspensos em andores pederastas
de amores tortos e duvida atroz
trindade em punhos primatas

Tomada de suas dores de fronha
segue o seu desejo agora
nessa entrega há o que se oponha
mas ainda os tem, por hora.

ato IV – pedra silêncio


























não em tempo longo
nem vão

o necessário
para alcançar
o êxtase do livramento

cai cego de si
nariz na merda
chafurda
sem sorriso inacabado

sufoca a palavra última
para curar-se da inquietude
volta aos olhos famintos
e imóveis

e calado
espera o impacto
da quinta pedra.

calei-me aos vórtices
















do desconhecido
de um bocejo lento
quase entediado

é que deuses também
sentem tédio
e pouco se entregam
aos pobres mortais

e a febre pode ser
póstuma

meu deus desperta
no quarto ao lado
procura-me
escondo-me

temo que me chame
mais vezes
pois posso não querer
nem crer, em orar

deuses se cansam
mortais também.

enganei-me nas reticências




















do não dito
supondo-o subentendido
nas entrelinhas do tudo

mas nas metáforas
e paradoxos
ossos do ofício
tomei antíteses

e o trago que rasga o peito
depois de embargar
o desengano, que tenho
por salvaguarda, é efeito.

parábola





















em outras eras
lancei-me
subi o quanto pude
projétil e palavra
a esmo
sem ter-me

e divaguei na
vertigem vazia
da queda

qual pedra
ao encontrar
o solo

quebrei-me
em mil
para estar
no centro

e o repuxo
fez-me inércia
que na descoberta
sempre pede
a dor
do chão!

ato V – pedra esfinge


























deposita sua confiança
em alguém?

se realidade
loucura
prazer
e silêncio
são convulsões
íntimas

como diferenciar
o bom e o ruim
sem referências?

seres não querem
decifrar-se
apenas devoram
e regurgitam-se
aprazes

o que há além
da dicotomia
monocromática
dos verbos
conjugados
em primeira pessoa
do singular?

























Óleo fervente
Cicuta
Escuta o mal invadir
Não feche os olhos
Não vai permitir
Assistirá tudo
Verá sua carne
Sendo preparada
E sentirá
O tremer involuntário
A contração dos nervos

Óleo fervente
Gota a gota
Em sua pele alva
E se gritar
Deus te salva?
Há opções
Tome a cicuta
E poupa-te de sofrimento
Aceita que essa é a sina
De quem vive
Tendo fé ou não.

Óleo fervente
Ou cicuta?
Veja o que te cabe
Tome prumo
Escolha
Ou deixe ser escolhido
Conforme-se com sua condição
Crente ou pagão
Seu corpo está entregue
Às dores mundanas
Hão de corroer suas esperanças.

Óleo fervente
Ou cicuta?

musgo


























muro de arrimo
de tijolos
não diria duro
nem oco

céu de anil
que nos ouve
protege
castiga

revirar de olhos
e visceras

Muryel
é murro
na boca
do estômago
é muro
tocando
o céu!

nu





















quem há de olhar o homem
assim, nu meio sem alma
meio sem olho frígido
entregue e hostil a si mesmo?


quem há de servir o servo de si
que não se ilude mais em auras
de coros perenes
e quereres fecundos?


quem há de sentir o homem
que se entrega sem acreditar
e beija o colo e as vísceras
para depois abandonar?


quem há de olhar o homem
assim pálido e desaguado
duro e rígido feito pedra
e se dar sem chorar?

não basta






















por mais que seja jovem
o tempo passa

por mais que seja silêncio
a palavra canta

por mais que seja tormenta
a calmaria vem

por mais que seja puta
ainda serei casta

por mais que seja a santa
grita-me a devassa

por mais que seja asa
falta-me o ar

por tudo que fui
pelo que não fui
nada sou

não basta

súplica






















vê que já nem peço ternura
que o remonte que temos basta
traz seu couro cru
a casta figura nata
vem que é semana de lua
e sei só de urgências
vem que desaprendi esperar

vê que já nem peço amor
palavra que o tempo oxidou
traz seu falso alento
quero apenas clarear
alvorada cândida
ao relento dessas noites
que mal me dou

me faz sangrar.

o mascarado

























poderia tomá-lo como rei
e dizer entre a valsa
que seus olhos vazios
não me sustentam
mais sorriso
nem mesmo sussurro

foi o que me restou
nem sapato de cristal
sonho de menina
ou badalar de meia noite
o que ficou foi palavra
e chorei

pelo coro moído em surra
pelo dolo da ferida
que ainda sangra em ti
meu cavaleiro mascarado
sua chama e suas bolhas
seus colares de contas

daqui dedos cortados
e coitos interrompidos
daí mágoas assoladas
assistidas em olhos
de imagem no papel.

terça-feira, 6 de julho de 2010

me abril

























como quem chove nas pedras
mas hei de achar cura para o mal
que confessou ao pé do meu ouvido
é sua mentira perfeita que me quebra

já não fecho os olhos quando
me ama e quando me cega
queria eu ser pega no medo
que arfa a venta e cessa a fala

não rezo mais e estou presa
nos seus dedos contas do terço
que já não expiam-me devoção
aqui atolo-me nas heresias tolas

o reflexo do olho ingratidão
de conjugação oposta ao sim
créditos não me compram mais
só contas de lágrimas vazias

distante e tão perto me faz elegias
e tento respondê-las num ato falho
mas encontro-me só e tão vazia

tento me afastar desse tormento
orei meu abismo aos bárbaros
e eles ainda riram de mim

e se ainda consegue me ver
mate-me com ódio e fúria
que não quero mais nada de nós.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

























a realidade refuta
e redunda na ilusão
sim, aquela grata ,que nos fere
e nos cala
tal chibata em tronco de perdição

talvez eu fique presa
pelo serpentear e o repique
de tua voz de gargalo
tentando convencer-me
a despir-me de luta

e quem sabe por algum minuto
ou vários, permita-me ser surda
ou solta, sem castigos ou mentiras
só ou contigo em insanidade
entregue à leviandade, cobiça da carne

por hora, sinto-me bem por não ter cedido
aos devaneios de uma vida rapariga
escondo-me ainda nesses risos falsos
em torturas desmedidas
sob meia dúzia de saias floridas

ledo engano essas verdades absolutas
como se não houvesse antônimos
nesse cárcere interno, no inferno íntimo
que ata-me ao teu terno de risca-de-giz
e ao teu chapéu de aba curta

convenci-me da relatividade de tudo
sem as certezas ou dúvidas que nos cercam
quem não vive assim,
não sabe do absurdo
que cega o santo e inspira o vagabundo

eis que nesta hora incerta, sã
por tudo que pude ter e perdi
que valho-me da falta de fé e da descrença
dou-me algumas gotas de mortal veneno
pois a esperança é que me mata.

ainda trago-te marcado em mim






















como o último trago
como o único gozo
seus olhos negros
sua cabeleira ao vento
montado segredos soturnos
cavalgando as elegias
duma noite sem lua
trago-te
fumaça que me embriaga
olhos da taça de vinho
respirar profundo
amor defunto
quisera te deixar descansar
em teu sono eterno...

mas ainda trago-te marcado em mim
como a última gota
como o único cale-se
meus olhos negros
minha cabeleira ao vento
montada em sua carne latejante
cavalgando as alegorias
duma vida sem lume
trago-te
porre de menina-moça
hímen desvirginado
suspirar profundo
gozo moribundo
quisera que eu desistisse
silêncio e sono interno...

engano




















tentei ser densa, mas mal falo
quis ser prolixa, mas falho
caos e intento o que trago
num desejo nessa elegia

não há utopia que não sufoque
que não se arroxeie sem respiração
que viva sem a alforria do verbo
e não morra sem ar à espera da rima

o sonho de ser parece pouco
demasiado pouco
para quem quase nada almeja
e guarda-se para a palavra precisa

já desfalar das terras do sem fim
esquecer o bruto que apossou-se
desse ato falho que tornou-se ira
nuance borrada dessa verborragia


não amo descompassada e cega
nem sei afirmar desafirmando
o que sei é falsete do duvidar
mira no olho e bala na agulha

deixar que o quase debulhe
chore sozinho e calado
pois o mote doutro lado
é apenas ilusão e sangria.

livro vermelho



















quando falta-me
o rubor
é dia seco
como sangue denso
ensaio coágulo
escarlate
enfarto.

água


























em sua boca
sou fluida
quase falida

em ventre
o gozo
quase parida

em lábios
essência
saliva

natureza morta


























rubras reluzem sobre o móvel turvo
maçãs numa cesta ovalada copulam
livres e notívagas, quem há de punir?

impuras não atingiram chão ou céu
perdem-se no pecado de serem suas
maduras e nuas sob moldura de papel.

a febre






















a febre continua
enforquei todas as Alices em mim
ao som de Alice in Chains
não há País das Maravilhas
enquanto ardo

matei-me várias vezes hoje
pensando em minhas mãos lavadas
nas cadeiras que desocupei
nos silêncios que reverenciei
basta!

cansei-me de ser casta
e conjugar os verbos
no antônimo de minhas vontades

mudei de estação
Led Zeppelin me faz esquecer
que estou morta
suspensa nos cadafalsos
que construí.

ilusões de ótica


























as taças da bebida verde
dizem que é fogo
os basculantes avessos
falam em vômitos
os homens juram que é sexo
e as moças sonham que é amor

digo que é fumaça

a bebedeira engana
a náusea repele
a jura mente
os sonhos pervertem
a fumaça disfarça

e na bruma
entre espelhos embaçados
seres descolorados procriam
sorrisos desbotados
dispostos em janelas cinzas
voltadas para mundos de chaminés.

amor de trepadeira

























perdi a conta de quantas vezes
me entreguei inteira por amor
e acabei com aquele sorriso
amarelo que desbota folhas
mortas e imprestáveis
para fotossíntese

embotado sonho do bem querer
desarma e ilude verde-flora
desabrocha no perfume doce
trepa como quem ama e rouba
jogando sementes daninhas
ao chão estéril do engano

como me sufoca a dádiva
o mais sarcástico castigo
é ter outro ser apossado
em minhas largas copas
esqueço-me caule e raiz
e jaz apenas sombra no mato

auto-ajuda




























esperamos um braço
para nos amparar
na falta de afeto
nessa era
cruzamo-nos
sobre nossos
próprios seios
em sinal de acalanto

não choro, não chore
quase não sinto nada.

calundu



























a mãe falava com os mortos e cedia seu corpo a eles. Carlos lembrou de que quando criança ouvia conversas no escuro, sussurros por trás das portas e nunca soube dizer se era a religião ou o estilo de vida dela. ao amanhecer o banhava com unguentos e canções de maldição, um culto secreto de glória ou de lamentação, como saber? recordava que fora tomado por tios e por desconhecidos e não se lembra se vivos ou não. o certo é que era violentado por herança materna. no vigésimo quinto capítulo, ele escondia o rosto para chorar e sufocava os soluços no travesseiro. a fita da máquina de escrever estava gasta, mas mesmo assim queria continuar escrevendo, ela não era sensível e nem tinha tato para assuntos tão pessoais.


(fragmento do Ciclo dos símios)

o olho que tudo vê




















este teu toque tudo me vê
entregue à insônia aflita
dias em acordo com o resto

este teu olho aflige-me
pois me enxerga além
dessa derme que beija

esta tua mão me perverte
me leva o pior e me dá
o melhor de mim, invade.

subsolo





























cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser

ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir

sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser

atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser

processo


























fresca e climatizada
pronta para consumo
fruta madura
boca seca
sexo molhado

EPARE IANSA

























e é Iara, mãe d'água
Iemanjá, rainha do mar
é manga e manjar
e o fruto de cajá

O Narciso e a estrela

























reflito-me no lago
como se Narciso fosse
e fossilizada nesse
brilho reflito fria
nada pulsante, vago

ele lambe e beija
sua própria luz
refletida em eco
mal me vê perdida

sob o derradeiro
feixe declara-se
ao seu reflexo
iluminado e cego

quantas noites sem lua
estarei no lago
à espera de um único
e lascivo olhar?

autodestruição

























desejei o submundo
o cais do porto
a maresia que guarda tudo
o cheiro da morte

faltou-me o nome
sobrenome, pão
memória e costela
e ainda quis o desterro

destruí minha retórica
remoí minhas vísceras
e servi no jantar
com vinho barato

venéreo, contaminei algumas
virgens astutas
doces prostitutas
e carolas malamadas

desfolhei cadernos
anotações rasas
versos nulos
para amores vãos

e só tenho o que não quero
palavras falhas
mãos calejadas
pensamentos execráveis

a vaga lembrança
que resplandeci
talvez amei, não sei,
já faz tanto tempo

antagônicos aos desejos bobos
quereres utópicos, ouro dos tolos
almejei apenas ser sozinho
e não sou.
























Observar amores narcisos
Que precisam-se
Para sobreviver

Viver amores narcisos
Que deixam suas insanidades
Expostas, como fraturas
De terceiro grau,
Dilacerantes e encantadoras

Riem-se dos outros
Mas só vislumbram-se
Mutuamente

Tocar ódios narcisos
Pelas dependências recíprocas
Quase intocáveis

Morrer pecados narcisos
Olhando-se sem alcançarem
Suas imagens refletidas.

Segunda elegia































o homem perturbado
dialoga com a vida
e há quem diga
que é um baseado
ou que é heroína
mas ele encena
a luta diária
de se dar por nada, na perda
no movimento do outros.

o homem entende
com seus olhos invertidos
vê o que ninguém mais consegue
enxuga seus lábios tardios
enfastiados de agonia
para tentar ser feliz
vomita Euclides da Cunha
e drogas ilícitas
para se livrar das grades.

o homem interna-se
só há grades nos outros
no mundo e em si
no retrair do músculo
na tensa paz vazia
nas ocupações diárias
tenta ser livre
e solta seu verbo
na Jaceguaí.

o homem olha-se
e não vê-se completo
vê-se coagido e liberto
e dança parado
com a fumaça do fumo
e se vai com ela
como se fosse o único
a ver, a sentir, amar e perder
tudo que desejou na vida.

expurgo






















admiro o homem
sei dos suspiros
soam melhor
que gemidos gozosos

a sensação de alívio
do encontro
da falta

suspiros são gozos
baixinhos
como quem chora
de feliz

para quase sofrer

A fábula do vidro e do tijolo



























pela vidraça vê-se o muro
vê-se furos
no paladar!

não há o que se esconda
e se oponha
à dor de fronha
e a amores de chafariz

é tudo tão caro
que o metal não pode pagar
beijara teus tijolos
e ainda trazia na língua
os esporos alheios

enganando-se cotidiano
e os olhos secos se fecham
na esperança da chuva
da fonte na praça central.

ciúme

























quis ser o toque nocivo
que abarca-te o ventre
e os sonhos

tentei roubar tua alma
como quem beija boa noite
e vazio sem troféu voltei

tua face é mais punho
que vertigem
mais visão
que miragem

minha mão sobre tua cara
é quase rara e não inspira
segurança alguma
treme e chora a falta
de não sentir

quem dera meus dedos
máscaras para esconder
o que te há
de mais precioso.

fetiche


























hei de beijar pés santos
até o dia de minha morte
eles expiam os pecados
e trazem-me a nova vida

os pés são quase bocas
que nos sorriem regaço
amo tanto idolatrá-los
que mal importa o santo

[Soneto Imperfeito]

















soltei língua, fumo e desejo no alcoice
e vieram a mim putas safadas, belas,
as mancas, jovens, velhas e aleijadas
todas amantes fiéis, lindas e taradas


nenhuma reclamou da fadiga ou da lida
lambuzaram-me e já se fazendo faceiras
dançavam livres sobre minhas lambidas
como se tudo fosse sexo, droga e bebida


tomavam-me o fôlego com seus beijos
laçavam-se em minhas pernas e dorso
engoliam-me vivo, vulvas, cus e açoite


fizeram-me um deus pagão profanado
em tese um deus do gozo desfigurado
provei o alívio de dores transformadoras.

Ampulheta cega





















Grãos na cintura passam cálidos
Ah, hora, é fissura no furo da proa
Idolatra Argos e hinos vãos, entoa
Crê, mesmo tendo olhos inválidos

Nunca lambeste o tempo em estado,
Ah, areia, é volátil, pelo centro escoa
Impunemente, a pária lasciva ecoa,
Como milhões de pingos sem reinado,

À primeira vista se apresenta formosa,
Naquela luta do não esvair-se pela greta,
Ao fazer-se livre, alforriada, jaz saudosa

Cada minuto manco traz uma muleta,
A jura presa em promessa duvidosa
Que fere, mata nessa imutável roleta.

[SONETO PARA ANA]


















Lembro-me de Ana, das que tive mais louca,
Dentre tantas mulheres, amantes e amores
A que mais me causou arranhões e rancores
Bradava despudores e ascos, até ficar rouca

Nunca entendi direito seus templos de horrores
Transpirava todos em carne, soltando-os pela boca
Nem sei por que fechava os olhos ao tirar a roupa
Ou banhava-se na porra como se em água de flores

E saía de nossa cama leve, de alma lavada
Seu sexo era redenção, penitência e fúria
Podia entregar-se completa e multifacetada

O sorriso de canto de lábio soava luxúria
Revirava-se em prazer e não desejava nada
O gozo dela é ascensão nobre de sua lamúria.

[SONETO PARA LIA]




















Um mimo sem pêlo, entre as pernas de Lia,
Dobras de pele, em flor, abriam-se ansiosas
Naquele movimento brusco metendo seguia
Meu caralho latejava e calavam-se as prosas

Junto aos sussurros insanos,oh, santa-vadia
Estocava forte e a beijava, lambendo a boca,
Senti debaixo da saia azul, a pele gemer oca
E a safada, sussurrava lânguida, quase vazia:

"Rasga-me em duas, sou sua, por inteiro!"
A veia de seu pescoço alvo sobressaltada
Então não pôde dissimular o gozo primeiro

Sufocava seu grito, pois a tomava casada
No canto escuro perto de seu companheiro
Era assim que a tinha silenciosa e atada.

a flor do ópio


























os pés-de-boi
ou patas-de-vaca
que importa?
têm flores desenhadas
belas e cheirosas

mas em encostas abissais
a flor do ópio
que induz ao pulo
ao infinito de sensações
ergue-se em resistência
quase frágil
sob os olhos do leste
sob a ânsia e a cólera
só existe pelo fato
doutro querer-lhe
a essência vertiginosa

que importa?

a flor do ópio
impera soberana
a visagem humana.

masturbação

























em ódio amoroso
famintos e caídos
descobrimo-nos
fracos e falidos

a cólera da boca
abrasa peito e vulva
falo e língua
ressoam
sós.

etérea



























musa da plenitude
sentida em redenção
toca-me o fôlego
suga-me o âmago

laço frouxo na cintura
vácuo da envergadura
ela gira intensa
leve e densa

em minha imaginação

amanhece,

























em marina, em solo
de cabelos negros
sorriso de menino
chega-me e vá embora

deixe,
tudo está em calma
o mar em ti flutua
o sol em mim atua
um misto de solidão
e cura

deixa,
que amor é o melhor
é bem e o mal maior
que nos atinge em fúria
na luta de história sã.