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quinta-feira, 16 de junho de 2011

inútil



esse mito outrora rouco explode
colide com a terra vermelha do planalto central
agoniza depois de grave acidente e
jaz encolhido, torto numa cidade satélite

vejo que meu grito foi um eco que o tempo
dispersou e levou para longe de mim
para longe de todos os ouvidos inertes
e que minha retórica minguou, falhou feio

ah, essa rebeldia de mil faces calou aqui
já não lateja impune como antes e ignora
que a estrada é tão longa
que o tempo é tão pouco

percebo que as falas mais agudas silenciaram
recolhidas e reféns de gavetas esquecidas
ou dispersas em livros com páginas amareladas
na frieza de bibliotecas públicas ou particulares

internato



há tantas idas e vindas
dentro de meus pensamentos
que mal absorvo partidas
e chegadas

voei feito as folhas de outono
que não se dão conta
que morreram
enquanto árvores

sonhei contigo esta noite
foi um sonho bonito
embora as lágrimas
mareassem sua saída

as portas estão sempre abertas
e igualmente bem vindas
tanto para quem entra
como para quem sai.

a queda





foi mais alta
e dessa vez acreditei
que não ia me levantar
são as rasteiras da vida

e eu poderia dizer
pode me ajudar
pode me socorrer
pode me salvar?

mas o orgulho não é nulo
e de certo modo
me fez sangrar
sozinho e no escuro

quando perdi o controle
e a direção, não havia ninguém
não haviam olhos
nem orelhas pra me guiar

a queda foi brusca
e quis desistir
mas fixei-me no horizonte
e decidi seguir só.

porque me tomas



de maneira tão prolixa
com essa força na estrutura?

como se fosses dura
e ao mesmo te dobras
em meu cerne venal?

explícita revelas o riso
como quem quer morder
e doas a rachadura

como quem perpetra o caos
ilícita te entregas em becos
nada nobres e de beleza surreal!



(performance de Tatiana Videla)

falsa elegia




que nos pulmões gastos
te respire em desassossego
que te chore como um cão
e engula seco como um segredo

que eu te leve em plumas
sobre meus precipícios
que eu te carregue em sombras
nas costas nuas de edifícios

e que nas suas linhas tortas
te desalinhe por inteiro
e te escarre sozinho
na estrutura dura de meu medo

Amnésia por doses de álcool





(poesia de Wile Ortros & Larissa Marques)

todo dia é um fim
por que então recomeça?
me afasta de ti pra dizer de que me quer outra vez
e depois lança ao ar as palavras injustas
sem cuidado qualquer
e começa do fim onde o fim começou

e se eu nunca menti
não foi pra preservar
as verdades em mim
são paredes da imaginação
mas quem foi que ergueu
este grande defeito entre nós
não fui eu nem você
mas acaso de pura ilusão

vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou

e se deixa ficar
ao meu lado pois sabe quero
manda embora outra vez
e eu vou mas também sei que quer
por loucura ou coragem
amnésia por doses de álcool
foi você que escolheu
sussurrar ao invés de falar

vamos comemorar
o princípio e o começo
não se pode negar que viver tem um preço
que é caro pagar
pra aprender abrir mão do que se conquistou


se quiser ouvir a música:
http://soundcloud.com/wileortros/amn-sia-por-doses-de-lcool

invenção


enquanto inventa o cais
estou à deriva
enquanto inventa o caos
sou morte lenta


e se por acaso a mancha
vermelha no vestido
insistir
pela morte violenta
que causara


mira a penumbra
e meus olhos banais
que se inventa guerras
hei de sofrer de ais

eterna


mesmo reduzida à poeira
sobreposta e confinada naquele pote
rodeada de outros iguais
identificada apenas por uma etiqueta

sentiu-se eterna

mas num ato jogou as cinzas ao vento
descartando-lhe a essência
como se fossem apenas pó
e elas ainda trazem sonho de eternidade

agora, a urna vazia permanecerá ali
posta em uma prateleira
como se fosse um bibelô
como se não passasse de um troféu

a palavra "amo" está presa e ainda pesa
tanto quanto vale: um cancro ou uma tonelada
queima, fere, dizima quem a ouve

o sol continuará a nascer e a cremar
os cadáveres do meio do caminho
pois o essencial se esquece com o tempo
se perde no meio de bobagens pueris

e tudo é tão efêmero:
cinzas dispersas não têm orgulho
uma urna vazia não tem prazer
e o vento continua soprando ileso.

perdida



nesse tempo lento
ando de mão com o tempo
que deu-me um abraço ausente
para suportar a desordem

meu poeta espreita-me
pelas frestas do caos
e sem sucumbir compõe-me:
nãos, versos e súplicas

e bem antes de ver o céu queimar
dispensa acordes certos e foge
dos dias que hão de raiar
não chora, para não mais sorrir

quem mais seguiria meus passos
nessas ruínas sitiadas
nessa cidade de pedras
cimento, pó e desistências?

segue-me de olhos perplexos
na envergadura desse medo
que insiste em nos pregar peças
e cada vez mais nos afastar

eu de boca fechada e olhos vendados
por ignorância e pouca razão
seguirei meus sentidos
sem dar ouvidos ao meu coração

o guardião



vejo o que não queria
o tempo de escravidão
confirma-me arroio preservado
dentro da amargura do vento

ele repousa onde descanso
onde o alvorecer desce
e trilhas se perdem
encontrando novos caminhos

ele guarda minha alegria
perfura-me peito e olhos
faz quedar leis
e quebra meu silêncio

já não sussurra-me e sopra
pra bem longe
por hora priva-me
certa hora me libertará

e livre sendo partirei.



(performance de Tatiana Videla)

resposta



quem dera passar ilesa, quem dera não ter princípios e me deixar embrenhar desse mundo precipício, que é apenas um pulo. num desmundo quase tão distante quanto o sol de dentro, toco a importância das coisas fúteis! misticamente somos nuvens dispersas que de tão cheias por quase nada se derramam e se entregam airosas e inteiras. assim átrios pátrios cardíacos, ou não, se encontram e se deixam cosmos, universos que colidem para que venham novas eras!

"Dominus Saturnus"




já não importa quão frias
tenham sido essas últimas noites
nem o quanto aprendi estando
ao seu lado ouvindo suas histórias
presenciei a mais bela chuva
nos céus de ontem, sozinha
esperando apenas o brilho de Sírius
que não veio
aqui a terra está fecunda sob um céu calado
que caprichosamente só brilha
como os olhos de quem ama
quem se importa se esse céu está iludido
e se as estrelas brilham sem explicação
vãs, presas num absurdo vácuo e choram?

não nasci com aura de deusa grega
e muito menos como ser mitológico
dos grandes que nascem para ser Deuses
não sou “semi” nada, sou humana,
quero, quedo e castro
e só assim sei amar
não desejo ter posse de estrelas
elas são frias e estão tão longe
sou grata por seu brilho deitar sobre meu ventre
e me fazer mulher, mãe e muda

sim, sou a poeira vermelha do Planalto Central
essa que se revolta com o vento e volta
para si para dar nova vida, cara semente
sou pó de estrelas, foice e dor
e já não vivo de sonhos
faz tempo que não durmo
despertei há anos e esqueci de adormecer
desde então minha data é 13 de maio
e não me pergunte porque
não ousaria querer mudar o curso
nem a órbita das coisas
elas são como são
e ninguém aprende nada
somos o que somos

estou aqui e não esqueço
o caminho de volta.

balada para um compositor desistente





não há canção que não saiba tocar
ou notas latentes que teus dedos
não alcancem e teus ouvidos
não distingam harmônicos

por um dia sonhou como Ícaro
fazer tuas asas de pesares, penas e cera
sobrevoar o mundo inteiro com a alma de pluma
e com teu violão de aço e madeira

hoje, corre sobre asfalto com tua moto velha
visitando os buracos que as chuvas abriram
e chora com elas em segredo para que não percebam
tudo o que te fere, te priva e te castra

tua dor teimosa vibra e ecoa pelos cantos surdos
junto com hálito que desperdiça nos acordes
que compõe para o esquecimento que invade
janelas e pupilas há muito dilatadas pela mentira


e agarrado à sua verdade pura e inocente, segue
isolado feito monstro amanhecido e exposto
procurando expiar-se em alamedas onde o amor esfria
e o prazer custa menos que o cansaço dos teus olhos

é muso de uma poeta que mal fala e esgueira-se
pelos campos da vergonha inócua por não
poder-te alcançar e muito menos diminuir a dor que sente
mas deflora o deserto do Planalto Central para ouvir-te

já não há espelhos em tua casa e o brilho das manhãs
não tocam mais teus prismas pernoitados, sem reflexo
a alma pesa mais que uma tonelada e quase nada sobrevive
à tua crença corrosiva que teima em manter-se etílica

película



quadro a quadro
sem foco em silêncio
com a ausência
de sim e não

o desistir do verbo
o calar da voz
antes das palavras
somos filme mudo

quantas pedras, Sísifo?




dizem que depois de um dia ruim vem sempre outro bom
ah, utopia, utopia de convencer-se e seguir
de que vale se rasgar por verdades latentes
se são elas que hão de nos matar?

são essas quimeras que fazem ver o real
o mundo bordô ardente sorrir no centro
do lado de dentro de uma garrafa cheia
que agora vazia de conhaque

e ainda teima em afirmar lógica e sobriedade
dentro de cada ponto cego que não se tem
o mundo é cru, lateja e a bebida dissolve
é mais fácil correr que pagar pra ver a dor

o cigarro tem o dom de transformar pulmões
em fumaça tanta que o trago traz
daí se apelida erroneamente de vento
para sentir a liberdade que só é aí

mas veja bem, meu amigo-irmão
meu avô já me dizia que quem
planta vento colhe tempestades
e talvez seja mesmo verdade

e aquela quimera a qual me referia
pode destruir os moínhos
os cavalgares e lendas de Quixote
mas não destrói a realidade, não

e o sonho, aquele sonho de ser livre
é uma retórica incoerente
pra se cair no mesmo lugar de sempre
que eu sei onde é

e alguém vai te fazer ver um dia
que a liberdade depende
única e exclusivamente
do tamanho da corrente.

estranho



nasci para as margens esquerdas
e espero pouco ou quase nada
por conhecer da efemeridade
mas meus pulmões são do vento
e de todo ar que posso prender
num só fôlego

queria poder dizer ao homem que amo
que o desconheço
que não passa de um estranho
um andarilho disperso
entre meus lábios úmidos

queria dizer que não sei tocar essências
e não sou dada à superfícies planas
que sei ir fundo, bem fundo
que mergulho de olhos abertos
e narinas fechadas

ele me possui como santa-ceia
divide-me entre os seus
ali onde sou pão e vinho
em oferenda divina
andor de madeira
com um santo de barro



(performance de Tatiana Videla)

desmanche



hoje perdi o encanto
em alguma visão
entre o retaliar e piscar
sob um ato de tortura

e covarde fugi dos olhos
daquele que me torturou
não há bravura no amar
e esse amor só me destrói

implode meu orgulho
sem me trazer nada
que não seja a vergonha
de ser o que sou.

sangria



estendi meus braços baldios
como quem devolve a vida
beijei-te o colo e tuas feridas
estanquei tua dor e teus vazios

e como quem nada quer saí
numa fuga doce e insólita
mas desorientada caí no chão
no levante de poeira chorei

tomei-me como forte
continuei fraquejando
e sem erguer os olhos
foi saindo

é este cancro que me dilacera
essa vontade desmedida
que berra como latejar
de doença bandida que corrói

e tuas feridas me tomando
sem tábuas de salvação
te vi saindo
e trancava a porta da frente

promessa





deixaram meu amor brotar
e ser muito sereno
no chão, no sal da terra
na crença de ser calmo
é pele rachada

o rio seco segue cego pela chapada
é tanto que nem é, desemboca no vazio
a fé segue lenta, escorre e afunda
na pele rasgada

juro não perder mais onde vai a estrada
juro que nem quero mais aquela madrugada
espero deixar meu amor crescer, florescer
e ser tranquilo ou quem sabe nada

e é a fé que corre, a fé que gira e move
nascer, crescer, viver, perder,
morrer, renascer, morrer
da pele rasgada

espelho torpe aura amargurada
pão e vinho, partir-se em ceia equivocada
rasgar-se então, doar-se em vão
beber da fonte e pagar com a escarrada.

recado público



quando redefinir teus poros
catalogar fracassos
tentativas frustradas
vômitos vazios
por falta de fome

e enfim assumir
o beijo seco e parco
pela gula que tinha-me

procura-me nos classificados
de domingo!
é lá que publico
erroneamente, meus olhares
desprezados

encontre artigos por meu nome:
Diva Etérea Estéril Doidivanas e tua.

ranhuras de dor e chicote




no leito de corte
gado cativo
em abate, sem redenção

ungidos todos
vivos e mortos
na alameda florida
nas costas azuis
de Riviera prostituída
e paridos e deixados
na Avenida São João

adversativa
pedra e pau em mártir de algodão
santo sudário, toalhinhas de puta
em profanário, bacia suja
sangue e porra no chão.

superfície



impassível insistia em não me sorrir
e vidrado em seus pensamentos
mal percebeu-me
enquanto a madrugada fria
entrava pela porta da sala

e tomava os cantos vazios em nós
quase tudo limpo e em seu devido lugar
com exceção das superfícies lisas e úmidas
e dos olhos famintos se perdem
em meio ao vento

sinta o quanto estou molhada
e deixa a cordialidade para depois
sinta em cada poro meu a falta
que trago de ti

quantos mergulhos ainda
para que enfim esteja submerso
por inteiro, por algum tempo
dentro de mim?

perjúrio



havia um vulto alaranjado que frigia
manhã silenciosa, vi o dia nascendo
nada fácil prender os olhos no horizonte
quando há tanto cansaço, pálpebras pesadas
e nenhuma missão ou promessa cumprida
porque as coisas se arrastam como relógios
com pouca corda, quantas cordas
quanta poesia é necessária?
mal sei daquele primeiro raio que chegou atrasado
que deveria ter brotado há tanto tempo atrás.



(performance de Tatiana Videla)

água vermelha





um ser, um espectro
o que há pra se dizer
senão a anticura de notas
afastadas de si
dispersas por nãos
abandonados no acostamento
de estradas desertas
desfeitos os sonhos inocentes
a vida segue
seca como não deveria
deixar de ser
de tudo sobra-nos a lama
água rubra e turva
de terra e sangue
no Planalto Central.

uma vida cinza



Escrita com mãos pálidas
Com unhas carmim
Os olhos apáticos
Poemas traumáticos,
Linfáticos,
Catatônicos...
A miopia desconhece
A vastidão inóspita
De uma vida entre o negro
E o nada.

boca da noite




está além do aparente
por dentro do expurgo
em autos de santas compadecidas
a mordedura de palmas e muros

gengivas de lua cheia ou mordida
extirpando rosário nos dentes
a dor de palato é pagã ferida

dobra sua fala e aceita o furo
que na cárie se sente o latejar
acredita gota por gota em calvário
que na falta se tem o orar.

crime culposo



de almas velhas somos feitos
com defeitos costurados
velhas mantas de retalhos
tantos fios tão esgarçados

nada mais que a ilusão da carne
de milênios de procura
antes de sofrer pela ferida
somos atingidos pela culpa

desculpa amor, pela noite mal dormida
pelo frio da graça puída
e remendada pelos cantos
é que não sou perfeita
e ainda dou-me a errar

espero que as janelas entreabertas
e o culto do porvir traga perdão
e antes de nos fazer chorar
ainda que nos faça sorrir



(performance de Tatiana Videla)