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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

das flores que não serão fruto


























ouso tocar a figa
antes tardia
e vaga
que estéril

olhos evasivos dissimulam





















talvez uma loucura velada
talvez a profundidade do fosso
jogam-se no vazio inerte
como se dependessem do negro
que se deposita no fundo
mergulham em si
lentos e famintos
tocam as indagações insanas
sem compromisso
com respostas imediatas
visão e verdade
querem-se absolutos
mas só se possuem abstratos
descobrem-se relativos
submersos na subjetividade.

das esperas




















rogo para que essa
vontade apazigúe
feito verão caído
num quase outono

a boca dela foi demais
para mim
uma agiota de extremos
nessa cama de hotel

mas tudo serena
quarto vazio
noites de teima
dias desastrosos

sorrindo ela mastigou
qualquer orgulho meu
calou em chuvas de prata
e deixou-me o cheiro de urina

e ainda sinto
o gosto dela
o ocre do sexo
em notas de absinto.

esfinge torta






















devoro-te
sem saber
quem és

in natura


























o amor perde
rápido
e perdido
não se consome

a cerca de

























farpa na mão
e nos olhos
arado impiedoso
arame novo
e a velha vida
de gado.

o rei de olhos vesgos


























como pôde meu rei
ir sem dizer adeus

foi cedo
mais cedo que todos
sem sussurro
sem chorar

deixou-m um filho
bastardo filho

só príncipes morrem assim
e só era rei aqui

temi pelo dia que
choraria nosso fruto
e chorei

vi os olhos cinzentos
e me perguntava o motivo
não sabia que era morto também

inconsolável dor
ontem nasceu
morreu-me feto

o filho do rei de olhos vesgos

hoje tenho-os tortos
um que me olha o chão
outro que me escuta o umbigo.

florada dos ipês



























enfim é setembro
a secura permanece
mas seus dedos permeiam
a revoada de cores
em minhas pétalas

sua língua choveu três dias
entre minhas pernas
e nem é primavera
seu palato ainda
traz o perfume de flor
para dentro de minha derme.

desejo habitar seus olhos


























quando for dormir
tenha-me em sua retina
independente de quem acalentar
e seja inteiro, pulsante

sei que nem cabe em mim
tanto querer, mas possua
quem amar e proteger
para que o calor de seu corpo
não se disperse em vão

que o nosso tempo
seja para você o bastante
e no fim ainda queira
com os seus compartilhar

não sei se espero muito
nem se anseio pouco
mal posso expressar
aviso que tenho sua figura
em meus olhos ao me deitar.

antônimo de mim























antônimo de mim
já me nauseia a fala
das vilanias desisti
estou derrotada em ais

das sertanias invadidas
dos amores saqueados
das cavalhadas sem pouso
restou-me a solidão

cuspo e escarro
essa verve mascada
e me possuirá oca
não quero me apegar

se acreditasse em algo
o vislumbraria agora
pois me arrependo
de meus pecados

peço que venha sem orações
que é a hora da morte e
"que seja feita a vossa vontade”
livre-me desse ego de papel!

afogado
























aquele que sucumbiu
menos pedra, mais areia
deixou-se levar pelo mar

a humanidade é um arquipélago
os homens são ilhas
cercados de água e sal
por todos os lados.

pas de deux


























pasos cambian
Yo soy tus pies

sutura




















vendo o rasgo
que a realidade abriu
costurou saias
cada vez mais compridas

mas a chaga faminta
corrompia os limites
comia-lhe cada vez mais
o verbo e a carne

amputou-te um membro
e manca de uma perna
seguiu negando
assumir-se em muleta

e a ferida aberta
rompia as suturas
tomou-te as sobras
revelando-se o avesso.

Criação






















Caminhei alguns minutos com minha avó, num certo momento ela me perguntou se eu sabia onde meu umbigo fora jogado e não me dei conta do que falava, achando absurdo o que dizia. Ele estava no centro de minha barriga, é claro!
Apontando o rio ela disse:
─ Quando morremos nossa alma volta para onde o umbigo foi jogado. Onde quer que morra, sendo rico ou pobre, jovem ou velho, seu espírito voltará ao Rio Paranaíba para descansar!

always on my mind































cruzei o portão
milhares de vezes
em pensamento

antes de fazê-lo
antes do seu braço
me resgatar dali

me tocou incontáveis
horas, dias e meses
sem que eu soubesse

e hoje não consegui dormir

nunca deveria ter ido
me salvar não é uma boa
estou perdida faz tempo
e levarei alguém comigo

agi errado
deveria ter dito
mas eram olhos demais
palavras demais
o medo me coagiu.

alforria


























de tudo não há amor
que venha a contento
principalmente
o eunuco e sem tempo

antes que digam-me

























que o erro é amar
rechaço com liturgia
que me falta

quem há de merecer
mais o céu que as putas?
elas subordinam-se
ao segundo mandamento
como ninguém.

apartheid















ele seguirá meus passos
nessas ruínas sitiadas
onde quer que eu vá
nessa cidade de pedras


vazio e esgotado
nesse tempo lento
de um abraço ausente
suportará a desordem

sem sucumbir ao caos
as ideias sempre vêm
tarde demais
meu anjo espreita

sua imagem acalenta-me
sua voz me acalma
e seguirei meus sentidos
sem sentir meu coração.

terça-feira, 24 de agosto de 2010