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domingo, 4 de setembro de 2011

monções


não há argumentos neste lugar
só olhos vesgos de um mentir torto
tão verdadeiro quanto notas de seis
pois as de dois já existem

não peço nada além de sua presença
e nem assim se sente satisfeito
com o desprendimento grevista
sem platéias ou discurso inflamado

vermelhos, não de dor e sim de torpor
os lábios riem e mangam de repique
o piquete de elogios vazios
e críticas destrutivas

acusa-me: "mentirosa, mentirosa"
como se ser falsário e ludibriador
fosse mérito apenas dos impuros
e cruéis de plantão

nunca tive medo das palavras atravessadas
cheias de desprezo e de escárnio
pois quem desdenha em algum momento
quer apenas adquirir algo com preço de lambuja

essa liberdade sonora que prega
é tão tênue quanto fumaça no vento
e saiba que nada se perdeu
é a velha lei da relatividade
ou talvez a farpa no olho do outro

estamos sempre presos a algo que desgostamos
ou que no mínimo não nos orgulhamos muito
e a maioria dos castelos são de areia
que a onda da realidade teima em derrubar

para quem não gosta de clichês
a vida ensina que poucos saem deles
e perdi a conta de quantas rimas pobres
habitam meus poemas de baixa qualidade
e não paro mais pra contar

já não me interessa quem é
ou de quanto espaço precisa
não temo estrelas ou buracos negros
como digo as coisas acabam sem deixar de ser

e mais uma vez me olha nos olhos
simulando uma quase verdade
como se já não conhecesse a marcha
aquela de arranque que precede a fuga

tantas vezes já vi outros aqui
fazendo o mesmo que faz agora
não sabe pedir ou implorar
mas se dá à demagogia verborrágica
do confronto sem causa

desaprendi de esperar
mas nada mais há além do tempo
e ele passa rápido demais
para que eu fique só olhando.

estatísticas



pai,
nos meus primeiros passos
me disse:
“vai sem medo!”
e eu fui

livrai-me do pecado
calai-me a boca
e as estatísticas,
pai,

livrai-me do medo!

dogmas





o fantasma que mais amo
não arrasta correntes
sobre meus telhados
não caminha sobre cinzas
ou berra em maldições


me faz sorrir e chorar
faz brilhar essas cicatrizes
e pergunta: por quem morreu?
por quem foi sua luta?
pra que se arrepender?


ele vive a fugir do sol
vai embora quando amanhece
não mente, nem engana
sangra por fantasias
e sonha que sabe do amor

infalível





terra onde pouco
se vê
pois há apenas
tanger

da eras de entes
dos tempos idos
"olho por olho"
já não se tem dentes

fogo perpétuo



rogo aos céus que me perdoe pelo mal que causei
que me faça puro novamente ou como nunca fui
absolva meu cansaço e descrença com os homens
e me intitule senhora de mim de hoje até sempre

rogo à terra que me proteja de minhas escolhas
que me acolha no meu último discurso
tendo em vista que pouco me acolhi

rogo aos homens que me iludam cada vez mais
porque sou descrente de todos eles e de teus ardis
e enfim, sendo enganada esteja completa
e enfim me sinta feliz

nostalgia



a imagem de teu corpo
não me fere mais como antes
mesmo que a morada inerte
insista em gritar

o espelho da cômoda
reflete meu olhar nocivo
foi-se o tempo que esperava
trago o cigarro entre os dedos

é tudo que preciso

há um certo brilho na caduquice
como se o esquecimento fluísse
pelas veias cansadas e sonolentas

não há mais o alvoroço matutino
não há mais o revoar vespertino
e a noite desce lenta.

nu



quem há de olhar o homem
assim, nu meio sem alma
meio sem olho frígido
entregue e hostil a si mesmo?


quem há de servir o servo de si
que não se ilude mais em auras
de coros perenes
e quereres fecundos?


quem há de sentir o homem
que se entrega sem acreditar
e beija o colo e as vísceras
para depois abandonar?


quem há de olhar o homem
assim pálido e desaguado
duro e rígido feito pedra
e se dar sem chorar?

hermosa



adorei essa manhã
olhei pela janela
e parecia uma balada
uma música lenta
quase fria
que me trouxe você


e eu nem sei dançar
e eu nem sei dançar


hora de comemorar
dia sem problemas
tão raro, tão caro
uma música lenta
quase ria
e me trouxe você

insônia



não dividi meus segredos, pois repartir tira-me o sono. não direi desaguei meus engodos e que em algum momento abri meu coração. nunca achei justo sujar águas claras em falácias pernoitadas. foi-se o tempo que dava espaço para estrangeiros, que apenas esquentam minha cama e na manhã seguinte abandonam minha morada. mas saiba que me dói ainda a lembrança de vê-lo sair. foi único que partiu deixando-me suas lágrimas em meus olhos.

insônia



não dividi meus segredos, pois repartir tira-me o sono. não direi desaguei meus engodos e que em algum momento abri meu coração. nunca achei justo sujar águas claras em falácias pernoitadas. foi-se o tempo que dava espaço para estrangeiros, que apenas esquentam minha cama e na manhã seguinte abandonam minha morada. mas saiba que me dói ainda a lembrança de vê-lo sair. foi único que partiu deixando-me suas lágrimas em meus olhos.

pinga



"Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais." Caio Fernando Abreu


há um som na espera
os ponteiros marcham ditantes
e os homens mal sabem do silêncio
dos jantares em família

almeja-se o calar sem culpa
a solidão perfeita
onde não se perde de si
e se encontre em egoísmo torpe

a torneira da pia pinga sobre um copo
dá o contraponto do que se passa aqui
o território traz divisa transparente e frágil
não suporta mais do que lhe cabe.

la mujer y la ventana



farfalha como o vento
pelos vitrais embaçados
e os olhos medonhos
alimentam seus seios

bela menina chorosa
se despe como brisa
suave e fria
já não quer sonhos

translúcida brilha
entre os cristais desbotados
numa manhã falha
e inesquecível.

pesos e medidas



o que me toca o coração não é de igual valia ao que me machuca os pés. e meus olhos amanhecidos são só a luta para não acordar, o sonho é presença contínua nessa inquietude assombrosa que é a vida. tudo mais perde a importância, tudo é cinza, desde o asfalto até a rotina. exceto olhar você amanhecendo, amado meu. sua pele, seu sorriso e lume, tudo em ti é terra batida que espera a chuva fina para molhar-me caminhos.


onde há



um coração ainda devoto
e cansado de sonhos inoportunos
procurando olhos de dor
e abraçar quem não tem nada a dizer

já não há chuvas em dezembro
e só espera o choro
de quem, de quem?
não meu

um dia vir de onde veio
e retornar o que não foi
e querer ficar só em si
não é mais defeito

não sofrem mais de se quebrar
e andar na terra fofa
e se sujar nem é privilégio
aceita-se a lama nos pés e na alma

debitum



e com essa tranquilidade
proclamam-me descartável?

mal temo o ecoar
da ira das vozes
de mil vozes sutis
dizendo da mágoa
que teimei sufocar

o artifício é a confissão
a entrega do crime pelo criminoso
sou demais propensa a me acusar

sim, te amei e amo!
sou cruel e egoísta por sentir
e na altura de minha inconstância
passei por teus estados
e segui-te cega e benevolente

à minha revolta impus silêncio
curvei-me à lei de todos
e não nego os excessos
não espero teu zelo
ou teu perjúrio

aplicai-me teu selo
castigue-me se te apraz


só resta a pena.

poderia mentir



dizer que estarei aqui
esperando por você
que aceito sua inconstância
e que distâncias não apartam-nos
dia após dia

poderia compactuar com sua posição
dizendo que sou forte e resisto
confirmar minha capacidade de superar
de recuperar nas adversidades
noite após noite

nesses tempos aprendi
a chorar com desespero
a não me disfarçar mais em embustes
e mesmo no desvario ser real
eu após eu

saiba, meu amor, que só
o sol é assim resiliente
nasce além de sua vontade
e vem absoluto e insistente
imune a suas verdades