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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

ensejo




o que me fura?
Tramontina

o que evito?
brincos e covas


buraco é o querer que ouso
nessas trovas frágeis

simulo gritos feitos à faca
talvez amores bordados
à mão

que pelo sim ou pelo não
sou forjada pela arma
a mesma que me fere
é a mesma que me esculpe.

As águas como as mágoas




passeiam pelas anáguas
das moças da cidade
que vertem seus olhos
aos rios que nelas desaguam
as águas como as anáguas
entregam-se aos igarapés
encharcam-se de mundo
mergulham até o fundo
para voltar à tona
secam.
as mágoas e as anáguas
apertam as carnes
sufocam a alma
porque tudo que queriam
era não existir.

o novo lar



já tinha me acostumado
com o cheiro de mofo
e com a desolação
daquele lugar

e foram mais de cem
os quilos que trouxe
de onde não queria

mal saber o que carrego
no fundo de cada saco
lá estão as recordações
que insisto para cá.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

alada


























impaciente e alvoroçado é o bailar
desses cactos que tomam formas
transparentes sob neblinas azuis
vaga como ecos nas correntes do peito
mais que um badalar de andarilho solto

nas senhas virtuosas da existência
marcada por labirintos não há sombras
apenas a luz dum futuro surpreendente
e a sintonia ruída pelo tempo e descaso
ainda roga a inadimplência com o vazio

ah, elevai os acordes para que despertem
os guerreiros vigorosos que já não bradam
e que venham imponentes
incendiando paraísos artificiais
e aviem assim demônios de face sorridentes

intempestivos cortam feito raios
os caminhos fugidios
queimam todas as terras produtivas
e anseiam por mulheres e crianças

ah, outrora como serpentes silenciosas
avançam em vãs ilusões
mas se o canto que chega nesse ventre
fecundo chorar não haverá força
que aniquile todas as coisas belas.

estou farta de antropofagias


e de engolir o que não posso
digerir
são tantas nervuras e ditaduras
que mesmo que me engolisse
mil vezes não alcançaria
o centro do prato

estou farta de antropofagias
que me fazem comer pele
a carne e os olhos
e me fazem esquecer das vísceras
da bile
do coração
e dos intestinos

quero a pirofagia
deglutir o que queima
dilacera e dói no centro
e não deixa os olhos impunes

quero a queima do passado
não por esquecimento
mas por força do presente
que é o que tenho nas mãos.

aflita



das juras sobraram
as falas não ditas
os olhos nos olhos

como criança que grita
proteja-me, amor!

o que vou fazer agora?
já te confio
já sabendo que seremos

eu, você e a demora

brabuleta




azul de plástico
pendurada no cabelo
solto ao vento
.
.
.
o pêlo de sua venta

heroínas






Dulcinéia, Pagu, Capitu
só seguem inclinadas
ao lado esquerdo da montaria
não se sabe por falta de peso
ou por desequilíbrio
à revelia

o galope alucinado
ainda ecoará
dentro daqueles sertões
entre a inércia e a luta
há quem diga que é amor
há quem diga que é doença

devastadas pelo dorso
choram e necessitam da luta
latejam em herança de sertão
fina, dura e parca fuga.

negro





dissidente, meu olho negro mente
faz-se escorrer em lágrima impune
poupa-me a visão do poço demente
da imagem soberba sobre o cume

haveria me perdido em esse oco
jogado-me de propósito no fosso
lamparina ainda em meio ao soco
dado no ar na tentativa de meu rosto

minha utopia misturada ao ópio
deixam-me ausente de ser próprio
cansam-me as frestas, cegam-me os braços
espero libertar-me do concreto e do aço

mas a rotina prende-me a mais um dia
que em qualquer manhã ata-me a angústia
abandono-me em silêncio na tarde vazia
e não me ouço em noites de falésias e falácias.

classicismo




no palco da poesia vã
não felarei putas ou santas
todas gozam em decassílabos
gemem e gritam almas entre suas ancas
fazem-no em dodecassílabos perfeitos

nos porões da retórica válida
não abocanharei os falos que apontam
para o céu em êxtase prosaico
todos oram, choram e clamam
pelo orifício alheio e laico

cansei de meu classicismo de outrora
cairei de boca nos calos malfeitos
jogarei pudores que não tenho fora
e preconizarei o fogo dos deleites
rasgarei as tangas mínimas em deflora
com dentes podres e verbos imperfeitos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

reflexo



“Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo.” Jean-Paul Sartre

ousei ver além mar
e encontrei-me perdida
entre o labirinto dos olhos
e a luxúria das carnes

descobri mais que par de nós
entoei hinos em louvor
ao deus Príapo encarnado
despido de tolos pecados

válidos e ávidos os refrões
em gozo ecoavam na pele
cada poro nu, eriçado
era Paris ao som de Piaf

Jean abriu-me os horizontes
e vi-me Baudelaire
completa em espelhos
sem sombra, sem ar e rochedos
tive-te em meus dedos

e deixei-te voar

vá meu reflexo aflito
mostrar-se em dissabores
que a tua-minha imagem
há de um dia nos encantar.

sem aviso




dilacerou-me por dentro
a resistência faliu
os sentidos desvirtuaram
as estruturas abalaram
no momento que
teu sorriso explodiu
em meu peito desatento

ah, Maria

























quando começar
que queira, deseje e ame
feito tolo menino

sê minha maria do meio
tarde de sol a pino
revoada das flores

até o fim
sem ter fim.

Vento






















Vento que leva
Minhas palavras
Que apaga minha voz.
Vento que afaga pensamentos
Que leva o outono,
Que traz o inferno.
Vento que faz dançar a chama,
Que chama,
Que sopra a vela,
A vela da vida.
Vento que é sopro sutil,
Sopro da vida, gênese.
Sopro na vela
Vento nas pedras
Som das ondas...
Vento que leva as palavras,
Sopro de vozes.
Som carregado pelo vento
Vento que leva pensamentos
Num sopro ao relento
O sopro e o tormento.
Sopro que apaga a chama
Vento que atiça o fogo
Som da vida
Grito
De morte.
Sopro na vela da vida
Vento na face da morte.