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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

já que os silêncios

























aprofundaram-te a fala
que jaz, introspectiva
rogo que consiga eu me calar

pois não há por que de escrita
se não há ninguém para
interpretar

agasalha-te nesse ostracismo
forte e vicioso
que é ele que cabe
aos fortes de espírito
e sedentos de saber

fura esse engano torpe
que ilude os tímpanos
e alivia as dores

devassa as incondições
humanas
de enfrentamento da dor
e cataloga as incertezas
que habitam em tuas retinas

quem sabe daqui há dois mil
anos luz
descubram
Homo Sapiens sentimental
e comovam-se pois não passaria
de um homem-de-neandertal.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

despiste























não tentei me achar
e várias vezes me perdi
de tantas formas
que por acaso
descobri fórmulas
de me esconder

não há estrada amarela
com tijolos de ouro
para marcar caminhos
e sigo nômade
com sapatos vermelhos
e quando me achar
volto para casa

Sodoma



























houveram horas
de espera
mas sois sóis
de janeiro

e ano inteiro

contenda































não tema esse coração ressentido
nem me odeie por sentir tanto
algo tão imperfeito como a paixão
sem a sua temperança constrita

é sim, uma droga de barca
é sim, uma droga de vida
mas leve pela contramão
você foge do que me excita

amo esse calafrio que percorre
a medula por centenas de vezes
e segue fugindo dos monstros
que cultuo em meus ritos

amanhã serei comida de verme
ouso em perímetros de ousadia.
não almejo ser musa da perfeição
e essa sua falsa índole conheço de cor

flor irreversível






















o que me tomba são esses olhos
essa passagem turva
que a miopia
teima em ofuscar

nem chegue muito perto, moço
que cá em minha matuteza
só sei do seco e da aspereza
da lamúria de fundo de poço


quem dera assim
cansada da labuta
esperasse livre, que não a luta
e nem causasse tanto desgosto


sou eu mesma,
essa flor irreversível
esse ser indivisível que teima
em preservar-se ileso

quem dera fosse solta de nós
e desprendida de egoísmos
seria calmo meu lirismo
e essa gota de devoção

pare estrangeiro
não te dei o direito
de invadir meu peito
e devassar minha canção

mas que venha sóbrio
de dom e de coração
e que nesse verso
pratique a imensidão.

vestígios



























cheio de limitações
o desfrute da demência insana
é amplidão interna
e o compartilhar sem reservas
não existe

dá um desconto
pelo amor de deus!
nem se a estocada é forte
não se sente completamente
a bainha sempre me sobra

ficou algo para fora
migalhas de pão da santa ceia
eu, cristo com crista vermelha
não despojaria de algo que se ferisse
por mim

terça-feira, 21 de setembro de 2010

subsolo

























cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser

ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir

sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser

atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser

Esquecida

























sob o poder do ópio,
Ou enfeitiçada por mandingas
De alguma mal parida
Finei com todos os pudores
Aos pés do santo altar comercial
Quanta hipocrisia,
Não há nenhuma poesia
Que não seja luxúria.
Braços em corpos,
Mãos e bocas nos seios
Outras nos meus pés
Línguas me tocando
Dentes me mordendo,
Sexos me invadindo,
Ombros despidos, mordidos,
Tomados pela devassidão
Não há amor, há paixão.
Existir, somar, subtrair, multiplicar,
Inserir, acoplar, curva-se, desejar.
Errante, liberta, sou partícula,
Ora sólida, ora líquida,
E naquela aura densa, vaporosa,
Dilatava-me onírica.
Acreditava em tudo,
Enquanto abraçava o vazio.
Dedos, mãos, bocas, línguas,
Palavras tão minhas, dentro de mim.
Não há poesia que não seja luxúria.

oposto

























marque-me com sua tinta
avulso como se meu fosse
convulso como numa odisséia:
Ilíada

lateja perene entre meus lábios
ventre quase arredio
amado é minha ilha:
Ítaca

escolho o caminho curto
o fluxo paradoxal
de sua artéria:
ilíaca

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

reparto

























excisão do fruto
o desejar do parto
a semente do poeta

sêmen na mente
brota quase maduro
no reparto do caos

germina in vitro
traz a carga imunda
daquilo que se nega

e imune à esperança
desdenha avoengas
de olhos assombrados

tal erva daninha alastra-se
toma vales esquecidos
com a fúria do querer empírico.

musa manca

























peitos e olhos juntos
curva da fala
mente

nem sofisticada
nem brejeira
é face confessa

sob a semi-musa nua
toca-me os olhos
rubra

passa como quem soluça
sustenta o ritmo
quase não

feito pedra d'água
derrete-me
entre dedos


não chora
ou fala
enrubesce.

do amor e das ostras
















ele jurou não a machucar
mas os grãos de areia
vinham com a corrente
e por um tempo
feriram e mutilaram

quando começou o prazer
onde terminou o invadir
há um limiar confortável
entre ambos?

a pérola do sentir respira
dentro de conchas
e adorna macia
o colo da diva.

conjunção


























aqui invariável
seio farpado
regaço de venta

o feio

























não obedece a estética
é como eu gosto
sua voz rouca quase polida
invade e trai
faz-me hermética

sua boca é macia e lenta
beija e rouba com desprezo
cada vez mais faminta
zomba de mim enquanto
me alimenta e me suga

sabe fazer parar o tempo
quando me penetra
é carne na carne, olho no olho
quando o olhar não foge
para o canto onde está a janela

meu macho, meu sol de janeiro
invade e preenche-me aro
surra-me com afagos íntimos
e impera-me soberano
é, e seja.

não sei se é amor

























fácil falar, deixar de lado
com a subjetividade do preterido
joga pra lá o toque, as mãos
abandonarão todos segredos

porque se preocupar assim
com sua reputação?

não há como ser diferente
lave as mãos feito Pilatos
antes da degola

faça-me o favor de catar os vestígios
sais, água, sentimentalismos e algo mais
antes de ir embora de vez
basta disso de se esconder

ao me dar as costas
os olhos podem fervilhar
sem ter arrimo
quem disse que não ia doer?

mas vem se despedir
sem pressa
não largue nada
para não precisar voltar
perdi a vocação de ser escrava

e enquanto é medo
sou longe, corpo e caminho.

domingo, 19 de setembro de 2010

do amor





















fundo sem poço
sem razão
em outro nome

danação.

íntimado



























(para meu íntimo amado)

toma-a íntimo
por não ter
a dor de amador
ah, meu!
ah, tão teu!
que não toma
o id que me doma
a dor que me toma
ama-a
meu íntimo amado
íntima dor!

sábado, 18 de setembro de 2010

a partilha


























partida em duas sem se dividir
e a repressão corre na veia
como picada sob faca
a carne de segunda

fatiada de maneira escusa
sem dó ou piedade
não é o extirpado que grita
reclamando o colo decapitado

quem chora é o progenitor
na ignorância do fato
de estar sendo bifurcado
feito mote mal fadado

a partilha foi feita
como numa missa dominical
todos saem inteiros
e apenas um corpo distribuído

a conta máxima do silêncio
do sangue que corre desvalido
misturado com água e lágrimas
rumo ao ralo do banheiro social.