Esse é o resultado do trabalho de dois artistas livres! Sindri Mendes traz o olhar intenso e explosivo enquanto Larissa Marques imprime palavras ácidas. Confira o resultado!
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terça-feira, 30 de novembro de 2010
tua face fere meus olhos
acostumados com o cotidiano
tua carne invade minha carne
fadigada com o vazio
tuas palavras estrangulam meus ouvidos
entregues aos discursos ocos
tua ânsia perturba minha paz
escondida da realidade
teu corpo me traz à tona
como se estivesse morta em mim
teu sorriso acorda meu dia
toda a minha vida
mas já não me engano mais
um dia tudo isso acaba
e volto ao meu estado de dormência
original
vá embora, não me perturbe mais.
performer: Fabiano Barros
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
viu o fogo, menino?
meu circo foi queimado
labaredas lamberam
a lona e a arquibancada
não sou um palhaço
mas trago um sorriso
preso de um só lado
o esquerdo num vermelho
meio desbotado
não sou equilibrista
e vou te enganar
com esse olhar de artista
nessa fumaça que toma
tudo que nos pertence
foi-se o menino
o palhaço
o equilibrista
e por fim o circo!
tourada
há equilíbrio no embate
ambos esguios
de nobre casta
numa dança no centro
cheios de paixão
e loucura
são apenas um
carne da carne
sem ferros ou cercas
por lá a bandarilha
e os chifres lembram
que tudo é batalha
que se ferem e matam
então investem audazes
o touro se erguia cingido
palmas e desespero
não mais que três golpes
e no meio da praça
declinou-se o espetáculo
ali jaz mais um toureiro.
totem
bípede
fui viajante em vernáculo ambíguo
e foi-se o tempo que me entregava
à bruma torpe e nevoada dele
ou a retóricas ambíguas e desencontradas
feito bromélia deixo-me molhar
e guardo em mim água alheia
a mágoa é raiz forte, meu amor
permanece grudada em terreno duro
caminho olhando para o céu, não nego
ele é tão imenso e tentador
que quase me convence
que o melhor seria voar
e quando dou por mim, sou bípede
dois pés de rocha bem presos ao chão
a palavra ludibria é pau e prego
e crucifica ingênuos
corte
e quando alcancei a ira
incendiei, sem pensar bem
no que poderia ser
sem ponderar nada
disse-me de grão em grão
as palavras secas
ainda demoram passar
pela goela
mas o papo não está cheio
e temos fome
sorriu enquanto os carros corriam
seu falo não foi nada sutil
ao pousar em minha boca
e insistia como refrão desenganado
engasgado
foi só uma vez, foram milhares de vezes
e ainda me rasga e ainda me corta
poderia contar das jaquetas vermelhas
das janelas azuis, das bitolas de construção
poderia dizer pudica se nossa relação
não fosse pública, se não derriçássemos a noção
diga que o sonho de água limpa
é cimento e cola sobre essa degradação
não,não,não
é o ódio que lacera as vísceras
e somos apenas vítimas desse maldito
amor, amor , amor
e meu bem, eu já estou cansada
de explicar as velhas caixas de papelão
que guardo no sótão
e quero queimar esses pacotes todos
de escrita aflita
e meus olhos embotados
de amargo e lágrimas.
cancro
náufrago
descartei a velha bússola
e fecho o olho do norte
não há coisa alguma
que eu possa controlar
as realidades pudicas
já não fazem parte desse paladar
esqueci apenas da face sul
do beco da morte
quando erro o caminho
ainda brinco por lá
gosto do som das garrafas
do deboche da boêmia
asfaltei meus dedos de atirador
tentei sepultar a verve assassina
mas não soube trocar de identidade
nem zerar a ampulheta maldita
guardada no bolso de trás
sigo a sintonia das marés
mas elas mal sabem de mim
pago o preço por não ter mapas
viajar sem destino
é assumir-me desconhecido.
o aluir dos ares
ventos alísios
tomam a capital
e a calmaria se vai
nas areias revoltas
duma praia de Fortaleza
partiram contigo
o sopro de relicários meus
e teu ventre solar
ainda anseia sonhos nossos
em pequenas tatuagens
ecoam abaixo do equador
as canções eólicas
que tentei aluir daqui
desse peito ressentido
e o som Aluisio sorri
manhãs de Iracema!
domingo, 21 de novembro de 2010
doce estação
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
voa
Perdi-me ao observar
O zepelim
Que pairava suave
No céu de cor púrpura,
E nem me dei conta
Que o mar beijava meus pés
E que me apartei de ti
Não olhei para trás
E minha alma voou
Até sumir no horizonte
E naquele breve instante
Tive outras vidas
Esqueci de mim
Das privações,
Da miséria.
Leve voa o zepelim
Leve-me de mim
E não volte.
performer: Fabiano Barros
inópia ciranda
recordações como meninas cegas
esperanças como velhas surdas, talvez
e o sexo feito prole encharcada de fogo-fátuo
giram
seria esse pobre instante desnudo
cópia imperfeita de antigas ranhuras?
seria o sangue talho e redobrado em calos
ternas asas de desejos cravados de penas?
declino farta sob o silêncio das horas
que teima em ditar compassos e normas
de um vazio de corpo e voz não ouvida
caídos entre o reflexo e a sombra do caos
esses olhos hão de remontar
as dores violentas
e os ecos do campanário
e selados esses lábios hão de conter
o alfarrábio baldado
de um diário secreto.
performer: Fabiano Barros
jura
vê quanto sou boa
o quanto sou ruim
que diferença faz
se clamo, chamo ou engano?
é uma ofensa essa mão nua
diante de minha extrema paixão
fervo qual febre que mata
doença terminal
essas sobras se condensam
num coração extremado
tremo, rogo, inflamo
é de desespero o querer
da cura
pouco amorosa a quimera
rança e dura
é vício de latejo
nem brandura
nem ternura
que minha tez é ingrata
quero-te na sede
ato, fato, fervura.
calmaria
estranho o céu que nos protege
esse corpo que trago de matriz
não é o bastante
e se tão perto percebo-o imperfeito
a raiz, o sulco fazem perceber-me una
há uma vírgula, uma sílaba
solta em frase desconecta
que se presta ao papel
assim longe do que possa me atingir
profiro o que a onda não leva
tão pouco vinco
tão dilacerada herança
esse viver solitário
e arremedos de amor
me fazem voltar ao porto
distante dos mapas do mundo
ousa-se um atalho no peito
entre o regalo e o estorvo
o vento não desgoverna a bússola
mas consegue mudar o rumo da nau
e essa rima recolhida e lançada
tão rude e tão falha grava -me o pouco
tempestade e devastação
guardo ainda suas coordenadas
sobre meu leito
ham ã'bae
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Cabíria
portas
trópico de câncer
ao marcar-me uma linha
como quem demarca
território vasto e improdutivo
feriu-me de modo permanente
pereceu-me cálido
ao meiar meu hemisfério
e santo ao devastar crenças
ao deitar-se efêmero
fez-se diáspora setentrional
ameno, quase ingênuo
meu equador
esfriou e saiu
minhas lembranças
viraram meninas cegas
numa gleba inóspita
fria e decadente.
performer: Fabiano Barros
arrasto
a imperfeição do homem
se alastra pelos tempos
e se agarra ao solo
feito semente nova
que quer germinar
seria o desejo de ser semi-deus
ou a onda ancestral do medo?
um ímpeto viril permanece
entre suas proles
e arrasta o mito inconstante
por eras e eras
em certa hora não correm mais
apóiam-se em bengalas de aço
caminham devagar na ânsia
de ouvir ecos e o som do mar.
performer: Fabiano Barros
na rede
o guardião da aurora
ele está ali
onde não emenda seu descanso
e não há saída, trilha
nem sequer caminho
ele está ali
onde aquelas cores encontram
horizonte e olhos
nem há nada além de silêncio
vejo o homem opúsculo
o que é folha branca
o que não tem pena de si
vejo o guardião da aurora
o que se livra de tudo
o que não chora nem ri.
performer: Fabiano Barros
souvenir
ontem, passeando nas praças de San Telmo, deparei-me com muitas versões de Frida: réplicas de suas pinturas impressas em papel barato, suas sobrancelhas e olhos pixados num beco debaixo da ponte e bonequinhas de todos os tamanhos e valores disponíveis nas bancas de camelôs, tudo que Frida Kahlo não queria ser.
ferino
estágio carmim
Silêncio, por favor!
Trópico de capricórnio
qual ficção celeste
essa linha imaginária
transfigura mapas
e ameniza calores
se não fosse o paralelo sul
onde meu equador abranda
seria liberta a febre tropical
que consome certos limites
hei de controlar meus solstícios
e essa desistência opaca
quase uma declinação ao frágil
hei de controlar as dores
e essa permanência estática
esse meridional em mim
performer: Fabiano Barros
cimo
estou farta de antropofagias
e de engolir o que não posso
digerir
são tantas nervuras e ditaduras
que mesmo que me engolisse
mil vezes não alcançaria
o centro do prato
estou farta de antropofagias
que me fazem comer pele
a carne e os olhos
e me fazem esquecer das vísceras
da bile
do coração
e dos intestinos
quero a pirofagia
deglutir o que é brasa
dilacera e dói no centro
e não deixa os olhos impunes
quero incendiar o passado
não por esquecimento
mas por força do presente
que é o que tenho nas mãos
e queima.
sou todo vínculo
rei menino
seus olhos são bagos inertes
que encolhidos buscam o fundo
esbugalham-se para germinar
rasgam as retinas e brotam
fazem-se raiz e caule
flores e frutos
seus olhos são sementes tristes
que mal se aquecem sob a terra
esse corpo franzino e fala fraca
causam-me comoção e quase reclamam
o trono que já era seu
antes mesmo que nascesse.
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