Esse é o resultado do trabalho de dois artistas livres! Sindri Mendes traz o olhar intenso e explosivo enquanto Larissa Marques imprime palavras ácidas. Confira o resultado!
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sábado, 19 de março de 2011
aborto de sonhos
a cada momento morre
um filho do tempo
ele se esvai
pelo meio das pernas
da vida
enquanto ela grita
mas não de desespero
ou dor
sonhos são como segundos
nascem e morrem
entre desmundos
sustentam as rotas
sem atalhos ou desvios
encantam e recorrem
em desvarios
e a vida ainda berra
por ser molestada
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
descobri todo o sal
Mérimée
enquanto esses olhos choram
as vísceras já não sangram
foram despejados da morada
não habitam mais meu coração
se quero do outro
me calo diante dele
transmuto-me Carmem
travestida em lábios carmim
quem dera saber ser eu
não sofrer mais
não mais sentir
quem dera...
não mais carmim!
rogo para que essas mãos
e essa carne encardidas
não mais te enganem
estou distante de tudo
já não tenho compromisso
com a verdade plena
ou reservas
para paixões tardias
as promessas se calaram
numa ópera sofrida
e aquele olhar impetuoso
não me pertencem mais.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
pintura negra
enquanto viva
cedi aos ardores da carne
e da palavra estuque
por não ser pedra
vertente desaforada
labirinto de tímpanos torpes
e clarevidência disforme
na retórica inflamada
enquanto morta
entalharam-me em cera
para que o semblante
parecesse vivo
boca torta, noite escura
sem porta, nem dentadura
só a ditadura do silêncio
nula e crua em sonhos de papel
ergueram-me sobre um andor
que aponta para o topo do porém
tiraram-me a língua como castigo
por não me calar, como convém.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
sisal
guardo todo sol
que me veste
e esse declinar carmim
para o desconhecido
espero e teço
por entre fogo e vento
a casa que não me veio
a água dos olhos
tem nome de mulher,
Constância
em mim só há leveza
dessa que só existe
pelo peso das coisas
as pedras sob meus pés
já não machucam calcanhares
o silêncio
é só rasto
de pedra
que se deixou
ir
e
vir
(resposta para um poema de Celso Mendes)
enquanto meio
paineiras
resisti o quanto pude
à constância seca
ao vento do deserto
desisti do ser rude
a grama quase verde
o olhar deitado ponte
não leva a outro lugar
nem é o bastante
o inverno de Brasília
traz chuva de flores
olhares paranoados
e vísceras aluadas
meio-dia, Planalto Central
e alguém me assiste
é sol na catedral
e eu já desisti do riste
calmaria
estranho o céu que nos protege
esse corpo que trago de matriz
não é o bastante
e se tão perto percebo-o imperfeito
a raiz, o sulco fazem perceber-me una
há uma vírgula, uma sílaba
solta em frase desconecta
que se presta ao papel
assim longe do que possa me atingir
profiro o que a onda não leva
tão pouco vinco
tão dilacerada herança
esse viver solitário
e arremedos de amor
me fazem voltar ao porto
distante dos mapas do mundo
ousa-se um atalho no peito
entre o regalo e o estorvo
o vento não desgoverna a bússola
mas consegue mudar o rumo da nau
e essa rima recolhida e lançada
tão rude e tão falha grava -me o pouco
tempestade e devastação
guardo ainda suas coordenadas
sobre meu leito
derradeiro
finda com o beijo
na testa ou lá
à beira impotente
o desejo que guardava sem mim
morde a fronha e sonha
que decadente!
consuma urgente
meu cheiro de jasmim
e seja encontro
de delicadezas do desamar
que de tanto amar-te,
tonto amar-te,
mar morto, náufrago
por tanto amar
sei também o que foi preciso, cá
pra consumar
toda essa agonia tinha, lá
no teu olhar
se hoje inda sinto o cheiro de mar
na tua roupa
e um desejo diferente de mim
do teu corpo
resta um instante só, pra passar
vai passar
e saiba que enjoada, cá
navegarei, navegarei
meio descontente
com o que sobrou
de nós dois
mas, já vai tarde
tarde!
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
quinta-feira, 17 de março de 2011
desata
dos olhos
arbórea
sou daquele chorar de desespero
cantado ao ser parido
tenho um buraco na copa superior
que insiste em deixar o sol entrar
mas sou apenas o silêncio
numa terra chamada solidão
o viajante de corpo duro
que mal sai do lugar
sou apenas olhar distante
o amante frio que desertifica
e entrega sal e dor
ao ser que mais o amou
quantos passarinhos pousaram
nesses galhos secos e nada
encontraram nessa terra
devastada e inerte?
por um breve momento
de braços abertos amei
por um minuto fui flores
tão miúdas que secaram
não mais.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
grito
pressão alta
dezessete por onze
densidade oculta
em sonho de vedete
quem sabe assim me lance
no espaço oculto
que mal me cabe
e me engana
quero me prostituir
deitar-me nua
seu colo quente
quem sabe agora
esse canto seja ouvido
mesmo que como um gemido
de quem chora pra quase sorrir
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
casca
psicotrópico
das esperas
rogo para que essa
vontade apazigúe
feito verão caído
num quase outono
a boca dela foi demais
para mim
uma agiota de extremos
nessa cama de hotel
mas tudo serena
quarto vazio
noites de teima
dias desastrosos
sorrindo ela mastigou
qualquer orgulho meu
calou em chuvas de prata
e deixou-me o cheiro de urina
e ainda sinto
o gosto dela
o ocre do sexo
em notas de absinto.
dama negra
ilusória
deixa, deixa
quero satisfazer você
sentir o que pode fazer por mim
reconhecer seu orgulho
volta comigo para dentro
traz um pouco de si
os dedos longos para notas curtas
da falência múltipla da alma
pois quando compactuar com seu nada
deparar-se com o vazio
desdobre seus dedos e toque
o que há de perfeito
desculpe-me as seringas ou as pipetas
a liberdade está em frascos
de barbitúricos que não
posso comprar
o passado está próximo
de uma rua com nome
de algum político cretino
que morreu há muitos anos
alonga seus braços
que estou bem perto
onde pode me alcançar
mas não sou real, nem inteira
estou muito além do horizonte azul
onde suas botas pretas não alcançam
e no meu céu que é seu inferno
por um momento seremos felizes
inquisição
no paraíso o temor passeia nu
quase uma lembrança gaga
que atravessa visões periféricas
é sobra de fogo azul
que ilumina a galeria
e ateia a paura vaga
creia-me,
essa sombra do que se espera
jamais se tornará realidade
deixe esses olhos abertos
e por pequeno momento
permita que as palavras dancem
em sua boca muda
nessa hora,
batize seu medo
com nome santo
veja-o em chamas
enquanto você mesmo
se queima diante dele
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
corpo celeste
como astro de luz que teima
ascende por onde é frio
atreve-se desconhecido
recolhe ânsias alheias
em castelos bélicos
em cinzas que evaporam
porque veio para ser livre
e como um cometa
rasga os céus
de fevereiro a fevereiro
deixando-se feito rasto
reluz sêmen da vontade
e não cessa, brilha
não era para ser
não era
a vida é de nunca
acostumei-me com dores
elas me fazem companhia
há períodos que me vem
nem raio de luz
nem trovão
de meia estação
hospeda-se completo
entre amplexo e átrio
e feito milagre ateu
faz manhãs cantarem
dentro de um peito calado
o meu.
alado
intempestivo corta-me
e não há caminho fugidio
como serpente silenciosa
avança no escuro mudo
mesmo que seu canto
chegue ao meu ventre
faz berrar a mudez imposta
o baile de sua língua ao me falar
tal eco de correntes no peito
que dão forma e ritmo ao delírio
é andarilho solto dentro de minhas
profundidades
poucas são as senhas virtuosas
marcadas por labirintos existenciais
apenas a luz dos olhos e a sintonia
puída pelo tempo e o descaso
rogam a inadimplência com o vazio
ah, elevai os acordes para que desperte
o guerreiro vigoroso que ainda dorme
em meu colo tenro e inerte
e que venha imponente
cavalgando palavras agudas
tão obtusas quanto o tempo
que não vivi
e se infante engole a seco
o grito e a fúria como cicatrizes
saiba que aqui ainda ouso
deixar-me corpo baldio
um recanto onde possa pousar
odalisca carmim
é mentira o que ela sempre diz
sua cintura me convence
do amor colhido como cinturões
na via láctea de seus extremos
brotado do cheiro que exala
é amor sacode-me o ventre
acompanha a curva de seu úbere
onde os homens se agarram
e findam na ânsia
do pesar irônico
seus colares chocalham nervosos
parecem âncoras nesse mar revolto
mas não passam de embustes
que puxam para o fundo
e só reforçam o caos
entregando-se a todos os olhos
deveria ela dizer
que anseia-me náufrago
suas águas querem meu pulmão
nela sou ínfimo horizonte
apenas uma miragem distante
nem céu enfeitiçado
ou água salgada
sou a insatisfação.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
arauto
navegaria
através de tempestades
se não fosse tão incrédula
e presa a esse tempo
se o fizesse
por ti, meu amado
minha nau não
teria porto algum
o oceano me levaria
a vastas latitudes
e me esqueceria
das longitudes
sem bússola me perderia
na imensidão do caos
e a arrebentação
me enganaria
as âncoras
seriam içadas
só no fim
náufragas as palavras
só fariam par
com as pedras
e algas no fundo
do mar
ali sim,
o mais belo silêncio
e o vazio igual a espera
desse momento
nós.
(resposta para o poema:"Estrangeiro" de Celso Mendes)
bípede
fui viajante em vernáculo ambíguo
e foi-se o tempo que me entregava
à bruma torpe e nevoada dele
ou a retóricas ambíguas e desencontradas
feito bromélia deixo-me molhar
e guardo em mim água alheia
a mágoa é raiz forte, meu amor
permanece grudada em terreno duro
caminho olhando para o céu, não nego
ele é tão imenso e tentador
que quase me convence
que o melhor seria voar
e quando dou por mim, sou bípede
dois pés de rocha bem presos ao chão
a palavra ludibria é pau e prego
e crucifica ingênuos
a estrela e a esfinge
destrua o passado que me fez como sou
e mesmo em cacos e extirpada refletirei fria
nos seus olhos vazios de pedra, cimento e cal
pensa na imperfeição dos subjetivos pretéritos
e conjura-me intento além da razão perfeita
de seus enigmas vesgos de re-composição
na temperança vago quase branda
no meu corpo celeste extingo-me
e meus fragmentos envio como chuva
e banharei sua face e essa maldita babilônia
que tem por deserto, seu chão, seu limite
que minhas memórias sejam só espórios
fuja ao me ver derramada
dos monstros que criei e rememoro
pois só do pó ao pó estar sem ousadia
há séculos busco a musa manca
aquela que os olhos renegam por culpa
e que a farsa regurgita por já tê-la de cor
venha pelas minhas botas
estou tão perdida
ao despertar
caminha pelo veto
me cansei de esperas
e do morno grito
quando algo se desfaz
as flechas inimigas
só fazem derrubar
o que não tenho
e acreditam me atingir
se a faca das nuvens não afeta
possuídos impunes
quem sou eu para me rebelar?
venha pelo vivenciar cúmulos
pelo praguejar de deuses
não encontro textura dos beijos
nas desistências colecionadas
entre as meias finas furadas
e sem aspas o desespero inexiste
vê que estou aqui a salvo
mesmo que as harpas
toquem sinais de morte
isso é placebo para o veneno
rendez-vous para desavisados
festa aberta para doidivanas
é tanto e pouco na tortura
que no encolher do verso
a nervura reclama aflita
amai o tóxico como a ti
mesmo.
estátua de sal
a imagem endurecida
mal chora trancada em si
na esperança de se achar
[calo]
trago aqui
cada palavra
cada respiração
cada som
toda a sensação
rubra, rubra, rubra
[vem]
e que minha retina
te cubra ainda dilatada
e que seus poros
jamais se esqueçam
[garoe]
que teu sorriso
me é bastante
enquanto molha
meu corpo
[vê]
que não há limites
entre o que é nosso
que a loucura é sã
enquanto unos
[sente?]
Embala-me em teu berço absurdo
sobre chá e colheres
deslumbrado com a passividade
com gravidade do aroma
com a pureza da água
na febre de folhas e flores mortas
o chá esfria
desinteressado do universo
ou do verso paralelo
não cabe nos dias
ou tão pouco se ilude em horas
o chá esfria
diluído em xícara
surrado por colheres
da direita para esquerda
decanta visceral
são cinco horas
e está tudo bem.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
perdoem-me
se só há esse vulto
que adivinha a natureza
conhece os ritos humanos
e não se ilude com cores
ou sorrisos aflorados
aqui só se ouvem gritos
de pavor e fúria
ou um chorar dolorido
de quem descobriu tudo
em tão pouco tempo
uma menina doce
já passeou por um belo caminho
onde haviam mistérios
frescor e risos
mesmo em ambiente austero
para esse tempo sobraram degolas
tangíveis, afiadas como a realidade
quem dera tudo fosse apenas
propagandas de Omo
e de Coca-Cola.
uma rainha
ontem, a essa hora
queimei um campo
de papoulas sob
meus lençóis
e eram alvos
meus sóis
ontem, a essa hora
queimou um campo
de flores felizes aqui
como servas na soleira
o sopro da meia-noite
fecundou a terra
diluiu-se em palavras
triste e belo suicídio
eu,
fui a rainha da soleira.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
falência
falência
insiste em fixar
os olhos e sonhos
em paisagens bucólicas
para burlar o isolamento
cala-se sem argumento
é falho quase bóia
na sensação do profundo
decanta o existir nulo
restringe-se ao tato morno
para não incinerar
e na devassidão do querer
evita a fúria visceral
simula-se vivo
mas jaz recoberto
redunda na autopreservação
apelidada de maturidade.
humano
musa manca
peitos e olhos juntos
curva da fala
mente
nem sofisticada
nem brejeira
é face confessa
sob a semi-musa nua
toca-me os olhos
rubra
passa como quem soluça
sustenta o ritmo
quase não
feito pedra d'água
derrete-me
entre dedos
não chora
ou fala
enrubesce.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
paraísos artificiais
seus olhos ficaram opacos, já não cintilam mais. por certo os paraísos criaram nódoas, as flores murcharam, as folhas caíram. o som solto de seu sorriso não ecoa mais. tudo é silêncio diluído em solidão.
quem sabe daqui há uma centena de anos encontrem um fóssil sorridente e mesmo que não se perpetue essa boca, que fiquem os dentes.
talvez encontrem o corpo preso em âmbar, cheio de ânsias e desilusões e deixem-no descansar, enfim.
performance de Nayra Carvalho
e parceria na arte visual com Krista Yorbyck
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