Esse é o resultado do trabalho de dois artistas livres! Sindri Mendes traz o olhar intenso e explosivo enquanto Larissa Marques imprime palavras ácidas. Confira o resultado!
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sábado, 29 de janeiro de 2011
distância
entre um soluço abafado
e o som cego
há um suspiro que aperta o peito
já me poupo a fala
pouco me dou ao riso
é uma pena não existir chão
entre palavras que sinto
e aquelas que falo.
imposto
essas palavras quebram sonoras
entre as pedras duma falácia
levam alguns esporos calados
e o que sobrou da onda anterior
não há liberdade em entregas
houve o tempo da busca
do desejar o incerto
e hoje tudo é o claustro
das fábulas, parábolas
grades e ressentimentos
quem dera fosse só acertos
nada extirpa o erro
e essa omissão persistente
num desculpar redundante
que já não me exime as culpas
o silêncio é calabouço
e ele se faz aqui
dentre esse meu falar vão
que entenda como quiser
e se calei é porque me ressenti
Semi-musa
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Mérimée
enquanto esses olhos choram
as vísceras já não sangram
foram despejados da morada
não habitam mais meu coração
se quero do outro
me calo diante dele
transmuto-me Carmem
travestida em lábios carmim
quem dera saber ser eu
não sofrer mais
não mais sentir
quem dera...
não mais carmim!
rogo para que essas mãos
e essa carne encardidas
não mais te enganem
estou distante de tudo
já não tenho compromisso
com a verdade plena
ou reservas
para paixões tardias
as promessas se calaram
numa ópera sofrida
e aquele olhar impetuoso
não me pertencem mais.
dos olhos
pacto
odalisca carmim
é mentira o que ela sempre diz
sua cintura me convence
do amor colhido como cinturões
na via láctea de seus extremos
brotado do cheiro que exala
é amor sacode-me o ventre
acompanha a curva de seu úbere
onde os homens se agarram
e findam na ânsia
do pesar irônico
seus colares chocalham nervosos
parecem âncoras nesse mar revolto
mas não passam de embustes
que puxam para o fundo
e só reforçam o caos
entregando-se a todos os olhos
deveria ela dizer
que anseia-me náufrago
suas águas querem meu pulmão
nela sou ínfimo horizonte
apenas uma miragem distante
nem céu enfeitiçado
ou água salgada
sou a insatisfação.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
mais do mesmo
penitência
tão perdida a batalha do vivo
contra a dureza da vida
tão frágil planta
diante dos que acompanham
as águas fortes e correntes
que levam quase tudo
pedaços do corpo
levante da carne
o motim dos companheiros
e mal deixam a dignidade
um revolucionário
sobre a pedra dura
ignora a correnteza
o musgo verde brota
na esperança de sobrevier
talvez crescendo
talvez morrendo
e era só mais uma queda
diante de lutas perdidas
já não quer mais
dali de cima da pedra
ou do fundo do rio
aprecia a beleza
das floridas trepadeiras
ignorantes parasitas
ah, lançam suas flores
no vazio do vento
e desperdiçam energia
que não é delas
e sim das árvores velhas
pobre musgo feio
ramoso, de tão nojento
quase leproso
não traz força no belo
e sim a persistência do real.
flor de tempestade
suas palavras rasgam
as certezas que trago aqui
retumbam nas vísceras
desagregam meu sentido mais ego
essa lira fragmenta danos
nego meu querer mesmo que
as premissas teimem
em redundar no âmago
suas sementes crescem
feito praga esgueiram-se
nas frestas desavisadas
enraízam-se causando dor
desses desejos mui tardios
que sussurram, calado ouço
mas impune à minha súplica
continua a brotar em mim
é como flor de tempestade
desabrocha gentil
impera bela
sem se ater ao que me causa.
vestígios
cheio de limitações
o desfrute da demência insana
é amplidão interna
e o compartilhar sem reservas
não existe
dá um desconto
pelo amor de deus!
nem se a estocada é forte
não se sente completamente
a bainha sempre me sobra
ficou algo para fora
migalhas de pão da santa ceia
eu, cristo com crista vermelha
não despojaria de algo que se ferisse
por mim
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
ante besta-fera
cotovelo
velos descontentes
ladainhas de despeito
quem dera o direito
de esfolar o desalmado
apedreja em deleite
é de sede que morre
quem muito quer
e não tem desforra
os laços desfeitos
são embustes perfeitos
para doentios quereres
que só ausentes se dão
a anca inerte destoa
da vertigem insone
das madrugadas
em amor e fúria
domingo, 16 de janeiro de 2011
destino
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
a deusa morta
das coisas belas e sujas
essa face rasa respinga
no concreto
é o asco que abarca seres
rancorosos e magoados
iguais a você
surge com suas mãos
seus dedos sobre olhos
máscaras de esconder
com toque nocivo
que desdenha o que
mais quer
feche o punho que a vertigem
é mais soco que miragem
reflete o que há de belo
e aceitável
é imiscível com o que trago
sou suja, incurável
muco e substância
fétida
não vivo em seu mundo
e se sou uma qualquer
não sou para seus olhos
o que há de mais precioso aqui
é o que não pode alcançar
ou ao menos perceber.
capitanias
que há de dizer
o bandeirante sagaz
que nada ofereceu?
o colonizador de sonhos
que tomou-me sóis
reprimiu o vento
e salgou-me os olhos?
devastação é o que há
sem face e querer
mal respiro ou choro
aqui jaz mais um mito meu
sem canto
só me sobraram as pedras
e tudo que havia além
foi levado sem pudor
como se dado fosse
roubou-me aos poucos
até me aniquilar.
grande vazio no centro
um deserto vermelho
cartógrafos tentaram desenhar
geólogos lutam para explorar
e finam sob o solo salgado
e brilhante
um vazio horrendo
sacrifício e fracasso
pássaros decerto voam
para o norte
sobre a linha da morte
procuram água
e ricos vales
duas dunas paralelas
que o silêncio não varre
nesse meu deserto interno.
Marabô, Marabô
não vê
desinvenção coletiva
a figura era o contraste
meio musa
meio besta-fera
jogada pela força
das marés na areia
já não boiava beira-mar
a criatura está morta
em contraponto ao desencanto
seu grito ainda hipnotiza
a voz que lambe tímpanos
e devassa existências
a invenção coletiva
tal perpetuou Magritte
é a infecção
a ferida que sangra
é a insistência.
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
caído em meu colo
meu príncipe desbota o mundo
faz o tempo parar
sonha com a redenção de um tempo
onde só se pode amar
doa-se em gozo onírico
embriagado em desejo etílico
de cor verde intensa
com hora marcada e ressaca certa
mas as dores apenas adornam
o sorriso solto sob seu pescoço
engravatado
não abra os olhos
não perceba meu hálito são
dorme, que nos encontraremos
em redenção.
performers: Sindri Mendes e Mariana Carvalho
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