Esse é o resultado do trabalho de dois artistas livres! Sindri Mendes traz o olhar intenso e explosivo enquanto Larissa Marques imprime palavras ácidas. Confira o resultado!
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
já que os silêncios
aprofundaram-te a fala
que jaz, introspectiva
rogo que consiga eu me calar
pois não há por que de escrita
se não há ninguém para
interpretar
agasalha-te nesse ostracismo
forte e vicioso
que é ele que cabe
aos fortes de espírito
e sedentos de saber
fura esse engano torpe
que ilude os tímpanos
e alivia as dores
devassa as incondições
humanas
de enfrentamento da dor
e cataloga as incertezas
que habitam em tuas retinas
quem sabe daqui há dois mil
anos luz
descubram
Homo Sapiens sentimental
e comovam-se pois não passaria
de um homem-de-neandertal.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
despiste
contenda
não tema esse coração ressentido
nem me odeie por sentir tanto
algo tão imperfeito como a paixão
sem a sua temperança constrita
é sim, uma droga de barca
é sim, uma droga de vida
mas leve pela contramão
você foge do que me excita
amo esse calafrio que percorre
a medula por centenas de vezes
e segue fugindo dos monstros
que cultuo em meus ritos
amanhã serei comida de verme
ouso em perímetros de ousadia.
não almejo ser musa da perfeição
e essa sua falsa índole conheço de cor
flor irreversível
o que me tomba são esses olhos
essa passagem turva
que a miopia
teima em ofuscar
nem chegue muito perto, moço
que cá em minha matuteza
só sei do seco e da aspereza
da lamúria de fundo de poço
quem dera assim
cansada da labuta
esperasse livre, que não a luta
e nem causasse tanto desgosto
sou eu mesma,
essa flor irreversível
esse ser indivisível que teima
em preservar-se ileso
quem dera fosse solta de nós
e desprendida de egoísmos
seria calmo meu lirismo
e essa gota de devoção
pare estrangeiro
não te dei o direito
de invadir meu peito
e devassar minha canção
mas que venha sóbrio
de dom e de coração
e que nesse verso
pratique a imensidão.
vestígios
cheio de limitações
o desfrute da demência insana
é amplidão interna
e o compartilhar sem reservas
não existe
dá um desconto
pelo amor de deus!
nem se a estocada é forte
não se sente completamente
a bainha sempre me sobra
ficou algo para fora
migalhas de pão da santa ceia
eu, cristo com crista vermelha
não despojaria de algo que se ferisse
por mim
terça-feira, 21 de setembro de 2010
subsolo
cada segundo descansa sob
as horas cativas e inertes
fazem-me fórceps e vértice
na intenção de ser
ah, belo desmundo de não-ser
é tão leve e oportuno
quase um endeusamento
do inexistir
sangria doce e mal cheirosa
que vinga a culpa na carne
desonra a palavra e não cala
apenas exala o cheiro do sonho
de não ser
atrevi-me a entrar em teu mundo
que declinou-se no meu
verde e vertido no soco seco
da vasta invenção de ser
Esquecida
sob o poder do ópio,
Ou enfeitiçada por mandingas
De alguma mal parida
Finei com todos os pudores
Aos pés do santo altar comercial
Quanta hipocrisia,
Não há nenhuma poesia
Que não seja luxúria.
Braços em corpos,
Mãos e bocas nos seios
Outras nos meus pés
Línguas me tocando
Dentes me mordendo,
Sexos me invadindo,
Ombros despidos, mordidos,
Tomados pela devassidão
Não há amor, há paixão.
Existir, somar, subtrair, multiplicar,
Inserir, acoplar, curva-se, desejar.
Errante, liberta, sou partícula,
Ora sólida, ora líquida,
E naquela aura densa, vaporosa,
Dilatava-me onírica.
Acreditava em tudo,
Enquanto abraçava o vazio.
Dedos, mãos, bocas, línguas,
Palavras tão minhas, dentro de mim.
Não há poesia que não seja luxúria.
oposto
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
reparto
musa manca
do amor e das ostras
o feio
não obedece a estética
é como eu gosto
sua voz rouca quase polida
invade e trai
faz-me hermética
sua boca é macia e lenta
beija e rouba com desprezo
cada vez mais faminta
zomba de mim enquanto
me alimenta e me suga
sabe fazer parar o tempo
quando me penetra
é carne na carne, olho no olho
quando o olhar não foge
para o canto onde está a janela
meu macho, meu sol de janeiro
invade e preenche-me aro
surra-me com afagos íntimos
e impera-me soberano
é, e seja.
não sei se é amor
fácil falar, deixar de lado
com a subjetividade do preterido
joga pra lá o toque, as mãos
abandonarão todos segredos
porque se preocupar assim
com sua reputação?
não há como ser diferente
lave as mãos feito Pilatos
antes da degola
faça-me o favor de catar os vestígios
sais, água, sentimentalismos e algo mais
antes de ir embora de vez
basta disso de se esconder
ao me dar as costas
os olhos podem fervilhar
sem ter arrimo
quem disse que não ia doer?
mas vem se despedir
sem pressa
não largue nada
para não precisar voltar
perdi a vocação de ser escrava
e enquanto é medo
sou longe, corpo e caminho.
domingo, 19 de setembro de 2010
sábado, 18 de setembro de 2010
a partilha
partida em duas sem se dividir
e a repressão corre na veia
como picada sob faca
a carne de segunda
fatiada de maneira escusa
sem dó ou piedade
não é o extirpado que grita
reclamando o colo decapitado
quem chora é o progenitor
na ignorância do fato
de estar sendo bifurcado
feito mote mal fadado
a partilha foi feita
como numa missa dominical
todos saem inteiros
e apenas um corpo distribuído
a conta máxima do silêncio
do sangue que corre desvalido
misturado com água e lágrimas
rumo ao ralo do banheiro social.
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