Esse é o resultado do trabalho de dois artistas livres! Sindri Mendes traz o olhar intenso e explosivo enquanto Larissa Marques imprime palavras ácidas. Confira o resultado!
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segunda-feira, 15 de agosto de 2011
água viva
seus olhos tomaram-me tudo
minha dignidade
minha identidade
essa sensação de proteção
as sazonalidades
suas palavras levantaram
meu vestido
devassaram minhas anáguas
não deixaram nada
para queimar
suas mãos levaram tudo
as cores do mundo
o lirismo da poesia
e reduziram-me
do pó ao pó
(performance de Gala Violeta)
dança comigo
enquanto houver essa aura de ternura
esquece todo resto
estenda seu dorso livre
suas ancas fartas e dancemos
rodopiemos nessa latinidade
e beije-me o pescoço
e morda-me os ombros
como se nada mais houvesse
se ainda trouxer esse ser suave
pega-me de surpresa e tira-me
para uma valsa leve
enquanto houver essa aura de ternura
(performance de Gala Violeta)
e um rei disse:
álbum de fotografias
quanta sorte sonhar quando se é verde
não gosto de falar de minha infância
não há atos nobres nessa época
o que tenho certeza é que queria
crescer logo e me livrar da caolhice
do manco de pés tortos
da aparência desengonçada
e da opressão dos adultos
mal sabia eu que a miopia aumentaria
que os pés continuariam tortos
que a aparência piora com a idade
mal sabia que a opressão maior
é a da realidade e não dos velhos
mal sabia que ser cuidada e oprimida
é mais acolhedor ser ignorada
que ser preterida
não me recordo de tempos para sonhar
havia um medo velado em meus olhos miúdos
e um silêncio imposto
naquela casa sempre cheia de visitas importantes
era proibido correr
dizer palavrões ou se manifestar
ali criança não tinha vez
pular o muro e viver uma alegria clandestina
rendeu-me ora a cinta ora a palmatória
quem dera ter tido a glória
de saborear da liberdade
luxo seria ser uma criança
numa casa de velhos burgueses
não me recordo de um momento
de êxtase livre de culpa
ou de uma satisfação
não fadada à mentira
sou fruto do que fui
no fundo ainda sou
aquela criança.
(performance de Gala Violeta)
silencio o ontem
o corpo pede exílio
e a garganta horizontal
já não quer arranhar
e nem se converter
quem sabe assim os garrotes
corrompam o torque cervical
de maneira eficiente
e o silêncio flutue
paralisante e tétrico
um certo cansaço toma conta
de meus atos asfixiados
talvez eu me esconda nas falhas
que cometi no passado
ou me guarde eterna
em mim mesma
de modo gradual e doloroso
para silenciar o ontem aqui
quem sabe...
súplica
vê que já nem peço ternura
que o remonte que temos basta
traz seu couro cru
a casta figura nata
vem que é semana de lua
e sei só de urgências
vem que desaprendi esperar
vê que já nem peço amor
palavra que o tempo oxidou
traz seu falso alento
quero apenas clarear
alvorada cândida
ao relento dessas noites
que mal me dou
me faz sangrar.
cadentes
like loves do
"So baby talk to me
Like lovers do
Walk with me
Like lovers do
Talk to me
Like lovers do" - Annie Lennox
acredite em minhas palavras
elas fervem como óleo quente
queimam como labaredas acesas
e esperam apenas um gesto seu
e não seja sazonal
não me deixe esfriar em invernos
e não me aqueça apenas no verão
quero que fale comigo sempre
como se me possuísse eterna.
(performance de Gala Violeta)
Carta para Ortros
quis o destino dar-te duas cabeças e um só coração
ao fazer isso te fadou a procurar amores racionais
em qualquer balança se equilibrariam teu amor e tua razão
seria perfeito se isso não fosse tão doloroso
ser um cão bicéfalo, com rabo de serpente
e aparência estranha sempre em alerta
pronto para atacar com tuas verdades
não te salvou de si mesmo, nem de teus sentimentos
nada conseguiu evitar que trouxesse tuas verdades
como mantos de proteção e pureza
como estandarte e brasão de guerreiros
que são avaliados pela honra de espírito e força de luta
de onde venho tuas verdades valem muito pouco
no máximo comprariam vários inimigos
e contas de olhos malfeitores e línguas maledicentes
nasci no meio de invencionices crônicas
numa terra onde só vale a mentira
e as representações grotescas da verdade
nada fácil de equilibrar
olho para teu irmão, Cérbero, o cão de três faces,
aquele com três pares de olhos e orelhas
e com três mordeduras à mostra, prontas para destroçar
qualquer coisa que venha contra suas regras
só aquele cão que guardava Hades
estava pronto para o mundo
e ali, em Eritéia, bem longe dos portões do inferno
fora domado e domesticado por Gerião
um agricultor que te fez pacífico vigia de rebanhos
Hércules, em seu décimo trabalho, ao golpear-te mortalmente
mal supunha quão grande e sensível era seu coração
se o soubesse, não ousaria destroçar o brilho de tua pulsante alma
que ascendeu aos céus como Sírius a contar histórias
a mais bela e brilhante estrela do céu noturno
e ao descobrir-te tão intenso e verdadeiro
naquele céu onde cometas se travestiam de estrelas
onde corpos celestes embusteiros se jogavam
desaprendi a dividir olhares e choro
naquela noite descobri quão pobre seria meu destino
uma pobre Sherazade a contar histórias sem fim
numa dessas mil e uma noites.
(resposta para Carta para Úrano, de Wile Ortros:
http://wileortros.blogspot.com/2011/08/carta-para-urano.html )
(performance de Gala Violeta)
das dores e nãos
ah, meu amor, é o motivo dessa lágrima
desse sufocar, desse roxear da pele
quantas vezes quis seu beijo e calei
na ânsia por saber medir e não pedir
a distância que nos separa é ínfima
e enorme em dor, somos atemporais
é o sacrifício para qualquer redenção
e traz em seus olhos todos meus desejos
como é solitário viver acompanhado
dividido pelo suplício do silêncio
querendo gritar o que pulsa por dentro
o que ferve a língua e engasga o vento
(performance de Gala Violeta)
desvario
não vou dizer que não sofri
que não chorei noites inteiras
no escuro e sufoquei meu grito
nos cantos do travesseiro
para calar o sofrimento e fingir
o problema não é o sonho
nem as ilusões que ele promove
quando se está entorpecido
o que rasga mesmo é a realidade
o crescer todos os dias
não vou dizer que não sabia
quando me diziam: “parado aí”
nem direi que não via
quando me esperava dormir
para levantar da cama e fugir
o problema não é a dor
nem as lágrimas que ela aflora
quando se está entorpecido
o que rasga é a realidade
o morrer todos os dias
não vou dizer que não aprendo
que me resumo apenas ao existir
mas essa existência fria
só traz horizontes tardios
e um jeito novo de engolir o choro
(performance de Gala Violeta)
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